[Cap.16] Se ainda estiver aí, soldado.

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E não conseguiu dormir mesmo, ficou encarando o teto atéque as batidas do coração se atenuassem, pegou de volta nolivreto não antes de arrastar a cômoda para a porta. Seamontou entre as cobertas, sentia que precisava de umaestrutura aconchegante pelas horas que passaria a folhear o livreto. Decidiu que leria até o fim naquela noite. Achou amarca onde tinha parado e surpresa passou a frente as váriasfolhas em branco, raleou ao passar o dedo por cada umadelas consultando frente e verso, não havia nenhum desenho,nenhuma assinatura. Idára tocou nos raspões da guarda dolivro, correu até sua gaveta e pegou o papel carbono. Riscoupor cima se dirigindo para as mesmas marcas, o resultadosairia no papel branco que também pegara. Ali estavamdepositadas estas palavras: 

"Não sei se um dia alguém poderá vir a achar esse livreto,planejaria para que Idára o achasse, mas, caso esteja em suasmãos te peço que procure por Yancy e peça a ela informações sobremim, Amália, ela as dará".

 Idára foi inquieta para fora de seu quarto, averiguou seseus avós estavam ao redor e concluiu que naquele horárioeles e uma boa parte do circo estariam dormindo. Correusegurando as duas pontas de sua blusa de lã e tentando nãoescorregar por conta da saia longa, os dentes batiam e ovento passava. Teve na preocupação Rebeca, nestatemperatura a vagar sozinha, a recaída de seu espírito foi alembrança do dito, que ela se cuidaria muito bem sozinha, resmungou isto, a mesma tinha deixado este conhecimentobem claro, prosseguiu com o rosto virado como se a primaestivesse realmente ao lado dela correndo e precisasse serignorada. 

Bateu à porta do trailer de Yancy, trocava olhares ao redorcom medo de que alguém a pudesse ver ali. Sugeriu umtempo, em verdade seu medo que o fez e passado, foi mesmoem torno de segundos, já estava dando passos para trás e emsua falsidade já prometia voltar, quem sabe amanhã? Olhoude relance em frente ao trailer e viu uma luz acesa nocaminhão central. Cogitou por mais dois minutos se deveriaou não ir até lá. "Qual seria a probabilidade de que Yancyestaria lá e sozinha?". Já que se sentia certa em ir crioudurante o trajeto uma cena como plano B. Bateu na porta edemorou um tempo até que Yancy abrisse.

— Idára? — Ela perguntou observando a jovem a baterqueixo, deu espaço para que entrasse. — Não está um poucotarde para você estar perambulando? 

— É... eu diria que está tarde mesmo. — Ela esfregava anuca enquanto fitava Yancy, estava totalmente sem graça egastou um longo tempo em silêncio assim, buscando algumplano C. 

— Me diga, por que veio me procurar? 

— Você sabe. — foi quase um sussurro de tão rápido que falou e ficou a brincar com os dedos, encarando o chão. 

— Não, eu não sei. 

— Você sabe. 

— Não Idára, eu disse que não sei. 

— Você sabe. 

— IDÁRA! Digo, pelamor o que está acontecendo? Quer queeu chame o seu avô ou algo assi... 

— Não, por favor meu avô não. — Se moveu depressa até ela o que fez Yancyreproduzir uma careta. — É sobre Amália. Ela lhe disse queeu poderia estar procurando por você? Se não se recorda,deve ter lhe dado alguma carta para que me entregasse. 

A mulher torceu a boca, analisou bem o rosto da jovem,manteve as mãos cruzadas sobre o peito e Idára precisou serpersistente para romper com seu silêncio. 

— Eu lhe prometo, meu avô, vó, ninguém do circo sabesobre isso, na verdade ninguém sabe que eu sei sobre Amália. 

Yancy encolheu os ombros e abraçou seus braços, suspiroue saiu andando para fora do caminhão central. 

— Yancy? — Idára falou parando na porta. 

— Venha rápido! 

A moça a seguiu até o meio do caminho bem quietinha,mas conforme o vento passava ficou a saltar como se quisesseque o sangue esquentasse. Já a mais velha iria dizer algo sobre o seu disparate, já que estava incomodada, mas antes mesmo começou a bater mãose pés. 

— Vire-se para lá. — Yancy disse assim que adentraram otrailer. 

A senhora bateu no piso oco do lado do pé da cama, oretirou e pegou a chave. Destrancou a gaveta da sua mesa decabeceira, remexeu nas fotografias até pegar uma carta etrancar a gaveta novamente. 

— É isso aqui. — Idára esfregou suas mãos antes deestendê-las a Yancy, mas a mesma retrucou por um momentoa entregar. — É seríssimo que não deixe esta cartaparar na mão de ninguém! Me diga, onde irá colocar? 

— Ainda não sei, mas vou colocar em um bom lugar,um misterioso lugar igual o piso da senhora. 

— Como sabe do meu piso? Eu disse para se virar! 

— Escutei o barulho, te prometo que não vi nada. 

Um sorriso fácil apareceu quando ela segurou a carta. 

— Agora vá e preste atenção em tudo ao seu redor, porfavor, tenha essa visão! Nós nunca sabemos quando estamossendo observadas. 

Idára acenou com a cabeça antes de sair do trailer. Suarespiração estava acelerada e ela abraçava os ombros o maisforte que podia, andava as vezes de costas só por cautela. A noite lhepareceu até mais brilhante, como não tinha percebido a luatampada e tão bonita? Aqueles trailers espalhados não eramlá tão bagunçados ou desengonçados. A pequenos metros, agrande lona! Que maravilhosa lona, não conseguia não olharpara ela, quase tropeçou com a subida para seu dormitório.Quando chegou ao quarto deslocou a cômoda por completo aporta. Fechou as janelas e então só depois foi averiguar se noquarto não haveria ninguém. O que lhe pareceu tolo já queperigosamente fechou tudo primeiro. Abriu de formaapressada a carta.

"Como devo começar isso? Idára... quer dizer, filha, não,como soa estranho a palavra filha, eu nunca tive uma antes e tenho uma certa certeza de que nãoquererei ter mais. Oh! Não quero dizer que eu não te ame,na verdade eu te amo, não como a frase de todo o coraçãoporque não sei ao certo como é isso. As pessoas sempre dizemisso quando querem se mostrar afetuosas, mas não ousarialhe dizer algo tão bonito que ao menos eu nem saiba osignificado, então me perdoe por essas simples palavras de Eute amo! Não sei se um dia você vai chegar a ler essa carta, sealgum dia você vai aprender a ler, tenho certeza que Barbuxae Penha se esforçarão para que isso possa ocorrer. Estouescrevendo isso porque talvez um dia eu não esteja aqui ouvocê cresça e fique mais do lado dos seus avós, quem sabe? Estou olhando você, está dormindo no seu bercinho e vocêagora tem dois anos e meio e dança como ninguém! Acho que dança mais do que anda e isso é certo. Estou tentandocuidar para que seu futuro seja bom, estou guardandodinheiro para você. Tenho propósitos que me sobem a cabeçade vez em quando, mas neles a inclui então fique bem comseus pensamentos ao meu respeito. Há ainda poucas, poucasdicas que quero lhe escrever. Ser criança é muito bom entãonão tenha pressa para crescer, curta cada ano. Seradolescente é confuso e nem eu saberia ao certo como explicara você o turbilhão de emoções que lhe cercarão, mas isso étecnicamente normal e você não tem nenhum defeito defábrica e isso passará! A parte ruim é que chega a vida adultae nela eu ainda não tenho muito do que falar, tem algumaspessoas que levam jeito pra vida, eu penso assim, não tivemuitas circunstâncias progressivas, desejo que você seja umadelas. Agora, deixe um pouco de pensar no circo, pense emnós, em verdade nem me inclua, acrescente a liberdade,conhece? É o meu anseio mais profundo, o clamor de minha alma. Ela quebra as barreiras Idára, faz a gente se encontrar,penso que sem ela somos perdidos, não podemos ser nósmesmos. És livres filha? Não sente a insatisfação pulsar emsuas veias? Penso que é algo de família, que vai ser passado avocê, e se tiver filhos, a eles também, pois é contagiante! Já lhecontei sobre meus desejos numa casa solitária onde tereijanelas e os ventos arrebitando na sala? Oh! Me perdoe, é atéesquisito escrever "Oh!", você já leu isto no livreto, não gostode ficar repetindo, me desculpe, esta é uma carta para ti e nãoaos meus devaneios, o livreto todo é como um montão delesreunidos e desorganizados, penso em como entendeu meusgarranchos e todas aquelas folhas borradas! Penso que será engraçada Idára, apenas em escrever para você jovem ouadulta já me fez rir. Pequena Dára, vou tentar te proteger detodas as formas, apesar de o mundo não ser um lugarsonhador e amigável o quanto eu pensava. Que possa tercoragem para explorar tudo que deseja e lembre-se, ossonhos não se acabam porque a alma não é feita de carne".

Em todos os cafésWhere stories live. Discover now