[Cap.8] Até poder.

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 Idára pegou o livreto logo pela manhã quando deram uma pausa da viagem, prensou-o no corpo, a sua blusa grossa de frio ajudava no processo de encobrir. Caminhou a uma distância considerável que pensou ser suficiente para se manter longe de olhos curiosos. Sentou-se numa grama boa e que não aparentava ter insetos, começou a folhear:

Peru, domingo 1975

Eu não sei por qual motivo deveria escrever isto, pensei em desistir deste livreto. Aqui seria lugar apenas de momentos bons, não há motivos para colocar tristezas aqui, mas resolvi que deveria me esforçar a fazer algo bom que me sobrou. Hoje pela manhã papai e mamãe entraram em meu quarto para sua reunião onde eu era o negócio. Não havia dormido direito, papai começou:

— Nunca pensei que você poderia ser tão ingrata a nós! Te demos de tudo que estaria ao nosso alcance. Você não apenas traiu sua família de sangue assim como traiu a sua família do circo! Todos confiavam em você como minha sucessora, mas e agora?

Mamãe apenas balançava a cabeça em todas as palavras que papai dizia, por que ela não parava de chorar? Se não se importava! Estavam insensíveis a pensar sobre meus motivos para tal decisão, estavam somente certos sobre seus consideráveis pensamentos de ouro.

— Tudo estava muito fácil para você Amália, mas agora que nos demonstrou sua falta de afeto teremos que mudar algumas coisas para você. Esse é o teto que não deseja ficar mais, odeia o tanto? — Papai avançou a minha frente e pressionando os olhos disse. — Terá de se casar. — Voltou-se para trás na mesma linha da direção de minha mãe.

— Como assim me casar?

— Deveria dar sequência, mas negou, a negou! Em quem o circo Lileu irá se apoiar quando eu e seu pai não estivermos mais aqui? — Mamãe dizia em meio a fungadas de nariz.

— Podem colocar alguém de confiança!

— Você é do nosso sangue. Escolhemos um noivo para você como castigo, terá que se casar com o Mercador de Ouro, ele lhe servirá como um bom marido. — Papai disse calmo e isto chegou a mim de maneira medonha.

Devo explicar diário, "Mercador de Ouro" é o nome de um senhor de 69 anos que tem 9 dentes de ouro na boca em lugar de seus dentes caídos. Ele se mudou para o circo há uns quatro anos e mostrou ser diligente no trabalho e ganhou a confiança de meu pai. Ele parece nunca ter se casado e nunca escutei nenhum burburinho que fosse sobre sua família, mas não queria de maneira nenhuma me casar com ele! Isso não seria um castigo era uma verdadeira injúria! Chorei amargamente, segurei os pés de meu pai, implorei de joelhos a minha mãe, mas nada causou-lhes efeito, estavam duros como pedra. Era dito e seria feito. Me neguei a sair e comer as refeições, só de pensar que eles anunciariam isso amanhã... Poderia morrer sem um aviso prévio? Não sei que horas eram aquelas, mas bateram na porta e um cheiro de canjiquinha invadiu o lugar.

— EU NÃO QUERO COMER!

Me arrastei no chão até perto da janela, as cortinas voavam com o vento e eu fiquei olhando a sombra da pessoa atrás da porta. A mesma foi aberta, demorei para identificar o rosto de Kaíke que colocou o prato perto dos meus pés e se sentou ao meu lado, ficou um longo tempo em silêncio até dizer:

— Antes de passar na cozinha e pegar canjiquinha para você, eu estava conversando com seus pais. — Kaíke falou parando de olhar para o chão e finalmente me encarando.

— Então já deve saber, veio aqui para dizer o quanto sou traidora?

— Primeiro coma e eu lhe contarei. Me leve a sério, coma. — Como não havia outro jeito de o fazer falar dei a primeira colherada. — Bem, sei que não é algo melhor ou que esteja a sua altura, mas não vai mais precisar se casar com o Mercador de Ouro. — empalideci, tenho certeza disto e o prato quase foi ao chão — Não fique tão feliz, como eu disse não é nada superior. Devo te apresentar uma outra proposta. Os seus pais pensam que o casamento a manterá no circo. Se concordar, passarei a ser sua outra escolha.

— O quê?

— Estava desmontando as barracas quando escutei o assunto de seu pai com sua mãe. Eu não costumo adentrar nos assuntos dos outros, mas fiquei revoltado. Isto de se casar desta maneira, todas essas condições, há uma vida pela frente e isto não foi escolha sua... Não sei explicar porque me movi. Considero que sua causa é quase perdida de todas as maneiras. Isto de "casamento" será uma fachada, os outros só precisarão acreditar quando estiverem olhando, me apresento como seu aliado, quero ajudar você.

Abracei Kaíke o mais forte que pude, acho que a canjica foi junto, não estava quente, é um alívio! Este pode ser o começo da minha liberdade, um novo significado para viver. Talvez as coisas possam ser resolvidas de agora em diante. Ganharei um amigo muito bom. Do ponto de vista de um confidente. Poder finalmente falar com alguém que discorde sobre o circo, será ele... "

Idára interrompeu a leitura quando ouviu vozes ao longe. Viu Hamish e Rudá trazendo alguns cavalos para pastar, considerava que seria ali. Saiu disfarçadamente. Hamish amontoou os cavalos a um lado enquanto Rudá procurava uma escora.

— O que é isso aí reluzente? — o senhor perguntou ao rapaz que maneou a cabeça por causa do sol, tentando enxergar. Hamish cruzou um ponto de sombra e pegou a coisa no chão, depois a colocou no bolso. — Rudá, continue com os cavalos preciso resolver uma coisa, voltarei rápido.

O rapaz assentiu, apesar de o sol ter dificultado ele pensou que realmente havia visto uma fotografia. Se lembrou do baú do caminhão central, porém imaginou que não faria sentido, ela estar ali e Hamish sair, iria se mover por este motivo? Balançou a cabeça e prosseguiu fincando a escora no chão. Nisto que o outro seguiu para o trailer de Yancy, não a encontrou ali, foi direto para o caminhão central.

— Você não deu fim as fotos? — Sua entrada foi repentina, Yancy acabou derrubando o detergente de sua mão pois limpava o vidro.

— Desculpe Hamish, não compreendo. — ela passou as mãos na calça e apoiou o pano sobre o ombro.

— Essa daqui. Dê um fim nessa, não sei como surgiu ou quem é seu dono, mas desapareça com ela. Vou tentar descobrir sua origem mais tarde. — então ele saiu e Yancy permaneceu segurando a fotografia.

Precisava ir para seu trailer, contornou a sala, seus olhos eram miúdos, mas tinha a vista perspicaz. Bateu no piso oco do lado do pé da cama, o retirou e pegou a chave. Destrancou a gaveta da sua mesa de cabeceira e colocou aquela fotografia junto das outras que estavam rasgadas. Olhou para os vários pedaços de Amálias que ali estavam, o coração se apertou muitíssimo. As lembranças se fizeram tão frescas, o rosto abatido dela, as decisões inalteráveis de seus pais e de seu final, recordou o quanto se sentiu triste quando viu a liberdade de sua noite. 


NOTA:

Caros leitores, a foto deste capítulo tem Hamish(como eu imagino ele) e Amália quando pequena. Na capa do livro é Idára - com o cabelo vermelho da raiz até depois do pescoço e as pontas são pretas, não chega a ser tinta, é como uma espécie de urucum, saí com água(tem duração de 1 semana ou mais com ela, vocês sabem😌🥲 ela não gosta muito de tomar banho). Mas a foto da menininha deste capítulo me parecia tanto Amália que tinha que colocar...

*Fotos do capítulo de Ashkan Forouzani e shahin khalaji em Unsplash.

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