[Cap.7] Os grandes.

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Todas as tendas foram retiradas, o acampamento havia sido desfeito e a tripulação se espremia por entre as cabines. Idára juntando-se a eles procurava um lugar vazio, não gostava de viajar sem uma companhia para passar o tempo conversando, ou era sua avó ou era Rudá, mas os dois estariam indisponíveis. Sua avó mudou-se para a ala esquerda acompanhadas das senhoras de tricô do circo e ali não acomodaria ninguém mais. Rudá evitou contato visual então não persistiu em tê-lo como companheiro de viagem. Lhe sobrará poucas opções, pensou que deveria encontrar algo rápido, antes que o trem entrasse em movimento, havia uma vaga com Rebeca, era um pequeno espaço.

— Posso ficar aqui? — Idára a perguntou.

— Claro.

Neste ambiente havia alguns baús e cercados de madeira com diversas plantas, tinha terra no chão e dentre outras malas das quais Rebeca precisou amontoar em um canto. Se esforçou para limpar uma parte em que Idára conseguisse se acomodar.

— Eu tenho o costume de viajar sozinha, por isso me apoderei do lugar.

Idára agradeceu sem jeito e arrumou suas coisas, a olhava de relance sempre que conseguia. O comportamento dela era tão sério, estava amarrando os baús para não se soltarem com o movimento do trem. Ficou desconfortável depois que forrou o tapete no chão e se sentou ali. Não estava acostumada com Rebeca e se sentia muito insegura perto dela. A janela não a distrairia, a única que tinha era pequena e alta o bastante para que não se pudesse ter o prazer de uma vista. Pensou que seria bom ler um livro de gramática e tentar aprender, mesmo que o livreto fisgasse em seu bolso.

— Você consegue ler em movimento sem sentir dor de cabeça?

— Acho que nunca tive problemas nesta parte.

— Deve se sentir orgulhosa disto e de outras coisas também. — Rebeca falou e ao olhar para Idára era como se pudesse ver além de seu ser.

— Preferiria ter outras habilidades — a voz saiu baixa.

Rebeca se amontou num canto com alguns travesseiros, se cobriu e Idára respirou aliviada por não ter que competir com os olhos aguçados dela, parecia estar sobre o teste da outra.

E os estudos não iriam prender mesmo sua atenção, foi uma hora e meia de luta, entre ter que reler o parágrafo porque a mente se perdia, pensava se Rebeca estava realmente dormindo, talvez ela estivesse a incomodando com sua presença. A data do resultado da prova também era parte de seus aborrecimentos. Não queria criar expectativas, teria de ficar ali no circo mesmo pois estava firme de que o amava muito mais do que a mãe. Nisto sorriu vitoriosa.

Não desejava mais se comparar com ela. Além disso tinha outro sentimento que havia escondido, mas que no meio dos balanços do trem foi para fora com imensa dor. Não tinha muita função no circo, não como os outros. Cada um sabia fazer algo, atuar, dançar, rodopiar, ser engraçado. Ela não, o único estabelecimento que fazia parte era o de ser neta dos donos do circo. Auxiliava, sim, mas não tão bem, nem nisto havia uma motivação ou brilhantismo notável. O coração não estava centralizado nas tarefas.

Manteve os olhos abertos num ponto fixo como se estivesse no meio da noite com insônia. Os dedos tropeçaram e abriram o diário. Era lê-lo ou não lê-lo. Abriu-o por fim, decidiria ali e por agora se o jogaria no meio da estrada.

Peru, sábado 1975

Sou um pássaro enjaulado, é verdade! Sou alguém que não pode passar por ali ou aqui. Que estranho quando lhe são tiradas as escolhas de vida, não se pode combater contra elas ou conviver bem. Eu achei que não poderia mais então resolvi que daria um fim. Péssimo fim. Mas bem, eu me arrependeria se não o tentasse, mas tudo está bem pior agora.

Em todos os cafésOù les histoires vivent. Découvrez maintenant