51_ Talvez ela não aguente.

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Eu não conseguia raciocínio direito.

Meu peito doía como nunca, meus olhos transbordavam lágrimas sem o meu consentimento e meu corpo inteiro tremia.

Durante toda a minha infância e adolescência eu me perguntava: o que eu havia feito para merecer aquilo? Por que os meus pais não me quiseram? Por que eu fui abandonada?

E agora a resposta estava ali, nas minhas mãos.

Minha mãe não havia me abandonado. Ela morreu para que eu viesse ao mundo.

Eu deixei a caixa cair no chão junto com muitas outras fotos e dirigi minhas mãos até minha boca.

Ali, naquele momento, eu finalmente chorei por vontade própria.

Apertei meus olhos com força e chorei, desabei, desmoronei. Eu estava com uma dor imensa no peito e nada podia tirar aquilo de dentro de mim.

Miguel que me olhava também com os olhos marejados me puxou pra ele me abraçando o mais forte que conseguiu.

Eu chorei. Chorei. Chorei até ficar desidratada.

Maria também estava com umas lagrimas nos olhos, mas a mesma tentou a todo custo permanecer forte na minha frente.

Eu chorei pensando no quanto a dona Clara havia sofrido, no quanto a minha mãe havia sofrido, no quanto eu estava sofrendo. Eu não tinha forças nem pra andar naquele momento.

Mas chorar não adiantaria mais nada. O que estava feito, estava feito.

- Alice? - A voz de Maria soou me fazendo olhar pra ela. - A gente precisa ir pro hospital. - Eu assenti e sequei o meu rosto. - Eu vou chamar o uber.

Maria saiu do quarto e Miguel segurou o meu rosto me fazendo olhar pra ele.

- Eu to aqui com você, ta bom? - Sua voz de alguma forma conseguiu diminuir um pouco da grande pressão que eu estava em meu peito.

Maria nos chamou dizendo que já havia chamado e antes de sair do quarto eu peguei a caixa do chão.

Eu precisava daquilo.

Sai do apartamento junto de Maria e Miguel e logo entramos no carro que nos aguardava.

No caminho eu não sabia o que pensar, eu só queria que a dona Clara... a minha avó estivesse bem. Estivesse em boas mãos e que tudo desse certo. Eu não podia perde-la agora.

Quando finalmente chegamos ao hospital, Maria e Miguel me ajudaram com tudo e logo fomos para um lugar onde pudéssemos aguardar o médico que estava com ela.

Eu me sentei junto deles numa das cadeiras e Maria se levantou dizendo que pegaria um pouco de água pra mim.

- Meu amor? Como você ta? - Miguel perguntou enquanto eu encarava a caixa em minhas mãos.

- Eu... eu to... você estava certo o tempo inteiro né? - O encarei sorrindo triste e ele me olhou confuso.

- Do que ta falando?

- Você percebeu muito antes de mim que a dona Clara era minha... minha avó. - Eu ainda não havia me acostumado com aquilo. - Você e a Maria sempre respeitaram mas eu, burra, nunca notei.

- Ei ei. - Miguel pegou na minha mão. - Não se chame assim. Eu só dei um palpite. Não tinha como você saber, a probabilidade era curta, era mais fácil você ganhar na mega sena do que isso ser verdade. Não se chame desse jeito.

- Mas...

- Sem mas. Não quero você com esse tipo de pensamento. Você é a pessoa mais inteligente que eu conheço e é por isso que vai ficar calma agora. A... sua avó precisa de você. - Eu me senti grata. Miguel e Maria estavam comigo nos melhores e piores momentos. Eles eram a minha família.

- Eu te amo. - Falei olhando pra ele e Miguel me abraçou dando também um beijo na minha cabeça.

- Eu também te amo meu amor, muito.

Maria apareceu segurando uma garrafinha de água. A mesma abriu a garrafa e me estendeu.

- Obrigada. - Tomei um pouco da água, mas parei assim que o doutor Josef apareceu ali. Dessa vez vestindo seu jaleco branco. - Doutor? Como ela está?

Todos nós nos levantamos e paramos a frente dela.

- Bem, nós conseguimos chegar a tempo e agora ela está estabilizada e consegue respirar bem. - Ele falou tirando um peso enorme que estava sobre meus ombros.

- Ai graças a Deus. - Suspirei aliviada e Miguel me abraçou de lado.

- Então ela vai ficar bem? - Maria perguntou.

- Sendo completamente realista? Ela pode sim. Mas agora não está mais em nossas mãos. Ela pode se recuperar e ter alta rapidamente como também pode piorar. Isso teremos que ver com tempo. - Ele respondeu.

- Obrigado, doutor. - Miguel falou em seguida e o doutor assentiu.

- É Alice, correto? - O doutor perguntou apontando para mim.

- Sim senhor.

- Eu posso ter com a senhorita um instante? - Ele perguntou e eu olhei para Miguel que assentiu.

Eu segui o doutor até um corredor branco onde ele tirou os seus óculos e olhou pra mim.

- Desculpe minha indiscrição, mas você é a filha da Roseta? Você é a neta da Clara? - Ele perguntou parecendo meio nervoso e eu abracei meus próprios braços.

- Si-sim. - Respondi olhando pra baixo.

- Oh meu Deus. - Ele dirigiu suas mãos até sua boca com um sorriso e um brilho nos olhos. - Mas é claro! Como não notei a semelhança antes? Bem que você não me foi estranha.

- O que?

- Alice, eu estava na sala quando sua mãe teve você. - Ele sorriu pra mim. - Eu vi todo o sofrimento da Clara quando perdeu sua mãe. Não faz ideia do quanto eu tentei ajudar a te encontrar todo esse tempo.

- É sério? Mas... mas como soube que era eu?

- Eu não soube. - Ele cruzou seus braços. - Mas quando você tentou acalmar a Clara e ela te chamou de Roseta, era... era como se a própria Roseta estivesse ali! Você... Você é a cara de sua mãe. - Ele falou sorrindo. - Isso explica o porquê da Clara estar começando a se recordar da filha.

- Acha que ela pode se lembrar?

- Eu não sei. Gostaria de saber mas, não sei. E talvez... seja até melhor que ela não se lembre. - O encarei. - A Clara sofreu muito com a morte de sua filha, talvez ela não aguente ter que passar por essa dor novamente.

Olhei pra baixo entendendo que era verdade. Por mais que eu quisesse poder chama-la de vó e finalmente ter uma família, ele estava certo. Talvez passar pela dor de perder a filha novamente não a faça nada bem.

- O senhor... conhecia bem a minha mãe?

- Sim. - Ele sorriu. - Ela era uma ótima moça. E tenho certeza que teria muito orgulho da filha. - Eu sorri, pela primeira vez sorri de verdade naquele dia.

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Continua...

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