ventiotto

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Meu pai sempre odiou o bairro onde moramos por ser extremamente perto de onde a família de minha mãe vive. No começo era algo bom, nossa casa nunca ficava vazia, pelo o que eu me lembre, mas depois que ela mo- saiu de casa, ele passou a detestar isso a cada vez que a campainha tocava, cogitou até mesmo se mudar, mas implorei para que não, afinal, aquela casa era tudo que eu tinha de lembranças dela.

O trajeto de ônibus até a casa de minha tia leva meia hora, poderia ter levado metade disso se eu fosse a pé, mas seria horrível fazer isso calçando pantufas, já que eu me neguei a passar mais tempo naquela casa para troca-las, meu sexto sentido estava certo quando coloquei a mochila.

Depois que desci do ônibus e andei um quarteirão, paro em frente à casa cujo eu decorei o endereço há anos, mas nunca consegui realmente visitar por meu pai sempre dar um jeito de me impedir, seja só com palavras ou até com policiais me vigiando. Não fico surpresa por ele ter sido dispensado do cargo de delegado, ele literalmente surtou e passou a ser mais exigente e mandão depois que minha mãe se foi, e a pior afetada além dele, fui eu.

Dou passos receosos em direção a entrada, a casa parece tão... viva. O jardim da frente é coberto por flores de diversos tipos, a varanda da frente é branca e ao contrário da minha que é vazia, nessa há um balanço de varanda e duas cadeiras de balanço, há também algum tipo de planta perdurada no teto por um suporte e suas folhas caem, como uma cascata, emoldurando a porta. A casa toda de um andar é branca, e o redor das janelas e da porta é azul.

Subo os degraus da varanda e paro diante da porta, o dedo a poucos centímetros da campainha, tenho medo de como ela vai reagir, se irá me reconhecer ou se ela sequer ainda vive aqui, ainda sim, toco a campainha e espero impaciente por alguma resposta. Não sei o que pensei em vir direto para cá, eu só pensei em buscar mais respostas para perguntas que tenho certeza que meu pai não irá responder. Passos soam do outro lado da porta, e então, ouço a porta destrancar e ela se abre.

A porta revela uma mulher de cerca de cinquenta anos, ela é de minha altura, seus cabelos são em um tom castanho claro, e batem acima dos ombros. Toda a confusão que tive acaba quando encaro seus olhos azuis do mesmo tom que os meus. Ambas ficamos em silêncio, nos avaliando por minutos, até a mulher tomar a frente.

— Ana? É você? – Fico surpresa por ela me reconhecer, enquanto isso, mal sei o seu nome.

— Oi, eu... será que podemos conversar? – Seu rosto sereno se abre em um sorriso tão brilhante que poderia ser visto por todo o quarteirão.

— Espero por isso há anos.

Levo o copo de vidro aos lábios e sorvo um gole de suco de maracujá, minha tia, Caterina, acompanha cada movimento meu com um sorriso nos lábios, chega a ser assustador.

Pouso o copo em cima da mesa de centro a nossa frente, ao lado de um álbum de fotografias que ela trouxe enquanto eu analisava sua casa. Respiro fundo e a encaro, acenando com a cabeça para ela começar a falar.

— Você parece com a sua mãe. – Engulo em seco, sem saber como me sentir por isso.

— Por que ela foi embora? Por que traiu meu pai? – Solto as perguntas, sem conseguir me controlar mais. Ela suspira e se encosta no sofá.

— É uma longa história. – Cruzo ambas as pernas, em cima do sofá.

— Eu tenho muito tempo.

— Certo – O sorriso assustador deixa seus lábios – Sua mãe conheceu seu pai no colegial, ela disse que foi algo como amor à primeira vista – Revira os olhos – Desde então, passaram a planejar o futuro juntos, indo estudar até na mesma universidade, porém, após a formatura, seu pai foi fazer um curso de dois anos em outro país, o que ocasionou uma separação entre ela e seu pai, ele queria se casar com ele e a levar com ele – Ergo as sobrancelhas, surpresa – Ela não aceitou, ela se achava muito nova e tinha um bom emprego aqui, um que a deu uma promoção na capital, então ela foi para lá, e ficou por dois anos, lá, reencontrou Daniel Bianchi - Ela suspira, me encarando para confirmar se estou aprestando atenção – Ele estudou junto com eles no ensino médio, cara, ele era um típico badboy – Ela ri, seus olhos parecendo relembrarem os velhos tempos. - Eu nem sei porque ele estava na cidade, após o ensino médio, tinha ido para Suvellié, e quando se reencontraram, tinha acabado de voltar de Roma... não sei exatamente o que aconteceu, mas uma semana depois que seu pai voltou, e eles voltaram a ficarem juntos, sua mãe descobriu estar grávida, e bem, dá para imaginar de quem era.

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