cinquantaquattro

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Não sei que horas são, que dia é, como cheguei aqui nem a quanto tempo estou encarando o relógio no alto da parede cinza. Meus olhos piscam a cada poucos segundos, minha respiração continua estável e meu coração batendo, é a única coisa de que tenho certeza desde que tomei noção de tudo o que aconteceu.

A raiva e a sede de vingança é um bom combustível para não quebrar, e foi o meu pelos últimos meses. Quando vi Luna morta, a raiva e a sede de vingança conseguiram passar por cima da tristeza e não me permitiram entrar em estado de luto até concluir meu objetivo, por isso, apesar de ter chorando por um tempo, me recuperei e decidi lutar antes de desabar.

Quando vi Letitia morta, a raiva e a vingança serviram novamente de combustível, por um tempo, elas não conseguiram ser suficientes, e precisei da esperança e determinação de Fran para continuar, então, não tive tempo para entrar em estado de luto e fui lutar, novamente.

Eu devia saber que quando a luta acabasse, o estado de luto por duas das pessoas mais incríveis que passaram pela minha vida, seria insuportável, e somar ele com o fato de ter visto o garoto pelo qual odiei e depois passei a nutrir sentimentos, baleado, poucos minutos depois de admitir que me amava, e sem fazer ideia de como estar, torna tudo mil vezes pior.

Percebo que tenho certeza de outra coisa: lágrimas não deixaram de molharem meu rosto desde que tive que ser arrastada por meu irmão para longe de Dean e da ambulância que o levou para longe de mim.

Um estrondo soa a minha esquerda e desvia minha atenção dos ponteiros do relógio, finalmente percebo onde estou, Ammou. Pisco os olhos várias vezes e olho ao redor, me recordando vagamente de como vim parar aqui.

Eu não reagi bem, nem Dante, enquanto ele teve que ser segurado por Ettore, minhas duas amigas tiveram que me segurar até meu irmão surgir com Pietro, então, eles pareceram lembrar algo sobre todos estarem sendo levados para uma pequena delegacia de bairro de Ammou, mais quatro horas depois e provavelmente outro dia, estamos aqui.

Kaori e Zoe estão sentadas nos bancos ao meu lado, Fran ao lado da loira e Dante, que parecia ter estado dormindo, ao lado de K. A delegacia é pequena, duvido que tenha mais do que uma cela, provavelmente uma das únicas não corrompidas por De Luca, e por isso não há bancos o suficiente, deixando Pietro, Ettore e meu irmão sentados no chão a nossa frente. Mas assim que o barulho soa novamente, todos nos levantamos e acompanhamos a movimentação na porta em silencio.

Vejo dezenas de Alphas, ainda vestido com as jaquetas, passarem algemados por nós, policiais com roupas que não reconheço passando pela secretária que parece em choque com tanta movimentação, até o corredor que leva para a cela, por último, atrás deles, vejo o que deve ser o delegado desse grupo entrar, meu pai ao seu lado, vê-lo me faz fechar as mãos em punhos com força, infelizmente, não tenho tempo de o confrontar antes dele sumir pelo mesmo corredor que os outros.

Encaro a porta de vidro da entrada ansiosa, esperando ver De Luca ou Dean passarem por elas, mas elas se fecham, e nenhum deles passam. Desabo de volta no banco, meus amigos me acompanhando, Dante o único que decide avançar pelo corredor, e como os guardas desse distrito parecem perdidos, não sabendo como lidar com casos que não sejam furtos ou assaltos, o deixam passar sem problemas.

Olho outra vez ao redor, e pela primeira vez eu vejo o rosto abatido de todos. Meu irmão está uma merda, Pietro parece ainda pior, Ettore e Francesca terminam o quadro de merda que somos, Kaori e Zoe parecem as únicas mais felizes do que tristes pela situação, e nem posso julga-las, o objetivo delas fora concluído, e apesar de saber que elas não odeiam Dean, sei que não estão tão abatidas quanto o resto de nós, irmãos, primos e amigos dele.

Fecho os olhos e encosto a cabeça contra a parede. Quero estar feliz, quero gritar aos quatro ventos que eu consegui, que conseguimos nos vingar das garotas inocentes que se foram, porra eu quero sorrir e soltar a risada mais sincera e verdadeira em meses, mas não consigo, porque a tristeza de ter perdido Luna e Letitia finalmente me atinge por completo, e só agora percebo que apesar de tudo, nada vai trazê-las de volta.

OverdoseOnde histórias criam vida. Descubra agora