10- O jaguarundi

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Sentiu dentes se fecharem atrás de seu pescoço e se contorceu na tentativa de se libertar, mas o felino tinha mandíbulas fortes. Sahira levantou a pata traseira como para se coçar e arranhou a cara de seu atacante.

Ele largou Sahira e recuou, rosnando. A gata nunca vira um felino igual; tinha orelhas e patas curtas, pelo laranja que permitia se camuflar perfeitamente no chão, uma cauda quase tão longa quanto o corpo e, embora fosse menor que um caracal, aparentava muito mais ferocidade.

-- Quem é você? O que quer? – ela perguntou, os músculos tensos prontos para uma briga.

-- Você está com a leoa branca, procura as onças que moram deste lado do Rio Verde – ele respondeu, a longa cauda balançando.

-- Como sabe disso?

-- Fui contratado para não deixar ninguém achar aquele bastardo. O ligre me garantiu o governo de toda a Caatinga assim que ele dominar a terra das onças.

Sahira não entendeu quem era o "bastardo" que ele mencionou, mas se trabalhava para Ekom, não era amigo. Sahira bufou, mostrando os dentes para se mostrar ameaçadora, mas o felino laranja apenas riu.

-- Acha que pode contra Arátor, o jaguarundi mais temido da mata branca?

Ela sabia que não podia, o tal jaguarundi tinha no mínimo o triplo de seu tamanho e era maior que um gato adulto, a única opção era fugir ou se esconder.

Sahira correu e escalou uma árvore, mas o felino laranja a seguiu, rindo maliciosamente.

Sahira pulou e aterrissou numa pedra, correndo de novo ao ver Arátor seguindo-a, se sentindo igual à noite em que o crocodilo saiu do Rio. Mas dessa vez não sabia se Iana surgiria para ajudá-la, só podia se virar sozinha.

Enfiou-se num oco de árvore caído, certa de que ali ele não entraria. Tinha razão, Arátor não cabia naquele espaço, mas uma de suas patas sim. Ele cravou as garras na cauda de Sahira e a puxou para fora.

-- Botando um filhote para trabalhar – ele comentou erguendo a outra pata, as garras de fora – Sua espécie é estranha.

Uma pedra veio voando e acertou a cabeça de Arátor, que largou Sahira, atordoado.

-- Consegui! – a gata se parabenizou por mover um objeto quase do tamanho de sua cabeça. Mas sua alegria evaporou ao ver a raiva no olhar que Arátor dirigia a ela. A pedrada fez um corte abaixo da orelha, e no orgulho do jaguarundi também.

-- Isso – falou entredentes – foi muito imprudente.

Ele avançou com toda a fúria, mas Sahira estava preparada, o sucesso de mover a pedra a motivou. Ergueu nuvens de areia na direção de Arátor, que ele facilmente atravessou, mas sem problema, era só uma distração.

Quando o felino laranja saiu da nuvem de poeira, desorientou-se por um átimo ao se deparar com três gatas pulando em sua direção, e atacou as duas mais próximas, que desapareceram como fumaça quando receberam o primeiro golpe.

-- Ilusão?

-- Miragem – a Sahira verdadeira jogou uma cascata de pedras menores e areia em seu rosto, e quando Arátor levou a pata aos olhos para se limpar, a gata pulou em seus ombros e o mordeu.

Ele pulou e se sacudiu para derrubá-la, e ela fincava cada vez mais as garras e os dentes, mas quando Arátor jogou-se no chão e rolou, esmagando-a, Sahira não conseguiu se segurar. O jaguarundi ficou de pé num salto, pressionou a gata contra o chão com as patas e exibiu os dentes afiados.

Antes que ele avançasse em sua garganta, Sahira conjurou o feitiço mais poderoso que conhecia, uma tempestade de areia. Arátor foi engolido por uma onda de areia e arrastado para longe, depois jogado no alto de uma árvore sem folhas.

-- O quê? – ele quebrou um galho tentando se equilibrar e caiu no chão, se levantando trêmulo – Sua...

-- Sahira! – Iana chegou, acompanhada por outro felino maior do que ela, de pelos amarelos cheios de manchas negras – O que houve?

-- Aquele ali é o Arátor – a onça reconheceu o jaguarundi – Um mercenário da Caatinga.

-- Ele está trabalhado para Ekom. Mas já dei um jeito nele – Sahira informou com orgulho. Arátor replicou:

-- Isso não vai ficar assim. Eu vou voltar, e vamos terminar isso.

-- Eu diria que já está terminado, Arátor – a onça mostrou os dentes.

-- Só termina quando um de nós estiver morto – rosnou – Eu estarei mais aprimorado na próxima vez.

Ele sumiu na mata. A onça se aproximou, impressionada.

-- Você o humilhou. É a primeira vez que alguém o derrota, ele está com o orgulho ferido.

-- Como assim?

-- Arátor é famoso nessa região. Ele já conheceu várias espécies de felinos e aprendeu formas de combatê-los para sempre estar pronto contra qualquer uma. Mas você o pegou de surpresa, ele nunca viu um da sua raça.

Ele realmente se ferira, além da ferida na cabeça e as da briga com Sahira, a tempestade de areia também causara machucados, sem falar na desajeitada queda da árvore. Arátor não voltaria tão cedo.

-- Como você conseguiu, Sahi? – Iana questionou. A gata narrou a luta – Conjurou uma tempestade de areia daquele tamanho?

-- Nem foi tão grande, precisa ver as que a mamãe faz – parou no meio da frase. Pensar na mãe e em casa a entristecia. Iana encostou o focinho em seu rosto carinhosamente e falou, apontando para a onça com a pata.

-- Sahi, essa é a Kerana, ela vai nos levar ao rei jaguar da Caatinga.

A onça pediu que a acompanhassem e seguiu mata adentro.

A Feiticeira de BastOnde as histórias ganham vida. Descobre agora