Capítulo 16 - Ataque à floresta

43 9 15
                                    

Iana perguntou a Sahira quando a viu chegando:

-- Aconteceu algo errado? O Sirhan passou correndo por aqui, estava meio zangado.

-- Não consegui falar com ele como você queria. Acho que agora ele me odeia.

-- Não, Sahira, claro que não. Sirhan é meio esquentado, mas não é de odiar. Espere que ele se acalme e tente de novo.

Sahira dormiu debaixo da árvore, novamente, e de manhã esperava encontrar o leão na saída para caçar, mas Sirhan não estava na toca, provavelmente acordara antes de clarear. Ele não queria mesmo ver Sahira.

-- Acho que falei cedo demais com ele sobre Xangô – comentou consigo mesma.

-- Se você demorasse dez anos para tocar no assunto ele reagiria do mesmo jeito – Shaya respondeu do alto de uma árvore. Com uma velocidade que deixou Sahira boquiaberta, ela voltou ao chão – Xangô sempre vai ser uma ferida aberta para ele.

-- Então como posso convencê-lo a me ajudar?

-- Boa pergunta. Se descobrir a resposta, me avise – a maracajá afiava as garras numa árvore.

Sahira suspirou e foi caçar para distrair a cabeça. Caça era o que não faltava ali, a floresta estava cheia de insetos, aves e pequenos roedores, o desafio era pegá-los sem fazer as folhas secas no chão estalarem, mas era para isso que serviam as almofadinhas nas patas.

Depois de perder três pássaros e dois insetos, Sahira conseguiu pegar um calango. O sabor era diferente dos lagartos de casa, parecia que havia cheiros de toda a floresta em seu interior, da mesma forma que em casa eles tinham o sabor do deserto.

Sirhan não voltou até anoitecer. Nesse tempo Sahira não falou com Anami, Acir ou mesmo Iana, queria ficar sozinha. Se perguntava como as coisas seguiriam a partir dali, sem Sirhan, sem as onças. Como uma gata poderia fazer a diferença completamente sozinha naquele conflito de felinos tão grandes?

Depois do sol se pôs, nuvens pesadas encobriram a lua e derramaram um toró sobre a floresta. Sahira não estava perto de Iana ou da toca de Sirhan quando a chuva começou, ficando debaixo de uma árvore para se abrigar, com goteiras, naturalmente.

-- O que está fazendo aí parada, filhote? Gosta de tomar chuva? – Halim pôs a cabeça para fora de casa.

-- Não – não mesmo. Uma coisa que ela gostava em casa era que não caía água do céu. Na única vez que isso acontecera desde que ela nasceu, não gostara nem um pouco da experiência.

-- Venha para a minha toca, é mais seco do que aí – ele ofereceu.

-- Mas não vai ficar muito apertado?

-- Que nada, eu estou de saída – Halim deixou a toca. Sahira estranhou aquilo.

-- Aonde você vai?

Ele correu até o riacho e pulou na água. Sahira viu a cena boquiaberta, mas se apressou em entrar na toca, e uma vez em ambiente seco, começou a se lamber. Queria que mamãe estivesse aqui para me ajudar.

Pouco depois Halim voltou, totalmente encharcado, e Sahira indagou:

-- Eu fiquei louca ou você pulou na água de livre e espontânea vontade?

-- Pulei sim. Quando vi uma onça fazer isso pela primeira vez, estranhei, mas hoje faço com gosto. Sou mesmo um jaguar por dentro.

Enquanto o gato se lambia, a chuva parou, e sem o ruído dela, Sahira ouviu um som não muito longe, se aproximando. Voltou para fora e reconheceu passos correndo a alta velocidade, semelhantes aos que invadiram sua casa.

-- Tem leões vindo para cá! Leões e tigres! – exclamou, correndo para procurar Iana.

Os passos ficavam cada vez mais próximos, quase às costas de Sahira quando ela chegou na toca de Sirhan, vazia.

Não, não vazia, ela percebeu. Tinha alguém ali dentro, e não era o leão, mas alguém oculto pelo escuro, quase invisível. Assustada, Sahira tentou correr, mas uma pata negra enorme a arrastou para dentro e uma voz masculina ordenou:

-- Silêncio! Quando eu mandar, saia e ache Sirhan.

Um tigre parou na entrada da toca no momento em que recomeçou a chover. Ele se aproximou cautelosamente, estreitando os olhos. Sahira supôs que, assim como ela, o tigre sabia que o lugar não estava deserto, mas não via nada, e a chuva apagava os cheiros.

Um raio cortou o céu, iluminando a toca, e o que aconteceu a seguir foi tão rápido que Sahira precisou de um segundo para assimilar tudo.

O tigre os viu e só teve tempo de se espantar antes do outro felino, uma onça negra, pular sobre ele, rugindo:

-- Agora! Vá!

Os dois rolaram pelo chão lamacento, trocando mordidas e golpes assustadoramente fortes. Sahira correu para fora assim que eles se afastaram da entrada, e ignorando o desconforto de andar na chuva, gritava:

-- Sirhan! Iana! Anami!

Encontrou Anami e Acir lutando contra um leão musculoso, facilmente sobrepujado por dois inimigos. A onça viu Sahira e avisou:

-- Sirhan está para lá, Sahira – apontou com a cauda – Iana está com ele. Vá lá!

Não foi preciso correr muito para encontrar os dois leões, rosnando para tigres que tentavam cerca-los. Iana viu Sahira chegando e seus olhos diziam "fique aí". A gata parou abruptamente e ficou escondida atrás da raiz de uma árvore.

Pareciam ter acabado de terminar uma briga. Todos estavam feridos e ofegantes. Uma tigresa comentou:

-- A traidora branca e o bastardo na terra das onças. Que engraçado.

-- Mas somos bem vindos, enquanto vocês estão invadindo o território – Iana replicou.

-- Em breve será nosso também – um tigre sorriu com malícia e se dirigiu a Sirhan – É melhor fugir para as montanhas, bastardo, pois o grande rei não terá piedade se o encontrar em suas terras.

Um deles olhou na direção de Sahira e murmurou para o que estava ao seu lado:

-- Tem um daqueles pequenininhos aqui.

-- É mesmo, é igual ao que está com o rei – o outro respondeu. As orelhas de Sahira baixaram ao ouvir aquilo, assustada só de imaginar seu irmão perto do ligre, o felino que aprendera a temer. Os inimigos se preparavam para dar o bote.

Nesse momento uma horda de jaguares irrompeu de entre as árvores e atacou os tigres, que em menor número, tiveram que recuar. A tigresa gritou enquanto corria:

-- Se quiser, Iana, o rei te receberá de braços abertos.

A Feiticeira de BastWhere stories live. Discover now