4 - Leões no Deserto

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Sahira olhou para o conflito que se desenrolava e respondeu:

-- Sair? Mas e a mamãe, papai e todo mundo?

-- Não podemos contra todos. Há um jeito de tirar esses invasores daqui, mas temos que partir agora.

Iana pegou Sahira pelo cangote da mesma forma que seus pais faziam, e diferente do que a jovem gata esperava, a leoa entrou no Rio. Não a ponto de ter que nadar, mas com o nível da água chegando quase a seu peito. Várias vezes a cauda de Sahira se molhou enquanto Iana avançava.

Ela seguiu a correnteza, rumo ao norte, e saiu da água quando estavam a uma distância razoável da vila. Pôs Sahira no chão e explicou:

-- Esses leões e tigres vieram do mesmo lugar que eu, e conheço uma forma de manda-los embora, mas apenas se nós formos primeiro. Sei que é difícil, Sahira, mas não podemos nos dar o luxo do medo ou da dúvida.

A gata olhou para sua casa, agora aparentemente dominada pelos grandes felinos por completo. Ela lembrou-se de uma noite em que veio uma tempestade de areia e não dava para ver nada uma pata além do focinho. Mesmo assim, Sahira e os irmãos precisavam comer, e a mãe sabia disso. Femi ordenou que ninguém saísse da toca e partiu, voltando meia hora depois com um pequeno urubu na boca, as patas machucadas e areia por todo o pelo.

Sua mãe partira naquela noite, deixando a ninhada sozinha, porque apenas saindo ela poderia trazer comida. Sahira via que o que devia fazer agora não era muito diferente. Teria que deixar sua família para ajudá-la.

-- Vamos, Sahi? – Iana perguntou. A gata fez que sim e seguiu a leoa para longe. Só enquanto se afastava reparou que a lua estava completamente vermelha, e pela primeira vez na História os gatos não puderam celebrá-la.

*

Sef só reparou que Sahira não estava com ele quando chegou em casa com Roxane e Caleb. Olhou para trás, esperando que ela chegasse, mas nada. Ele correu para a entrada da toca apavorado, sem encontrar nenhum sinal da irmã.

Logo à frente viu a mãe ser derrubada por uma leoa e gritar de dor quando ela pisou com força em sua cauda.

-- Ei! Deixe minha mãe em paz! – tentou fazer como Sahira e jogou areia em sua direção, mas não foi um sopro muito forte, pois só acertou o focinho da leoa, fazendo-a espirrar. Pelo menos serviu para distraí-la de Femi.

-- Chega! – o tigre maior rugiu e os outros pararam de lutar. Não que fizesse muita diferença, os gatos já estavam todos dominados – Parem de resistir antes que alguém mais se machuque. Agora esta terra é domínio do rei Ekom, e se precisarmos matar metade de vocês para enfiar isso em suas cabeças, que seja.

Os feridos se juntaram no centro da vila, e Sef se assustou reconhecendo Husani, o chefe do clã, entre os mortos. Ele não tinha filhos, então pelas leis de Bast, a família de magos devia atuar como regente.

Em outras palavras, sua mãe, Femi, era a nova líder interina do clã. Saber disso fez Sef estremecer quando o tigre falou:

-- Quero falar agora com o rei daqui ou seja lá quem mande nesse monte de areia.

Femi tentou se levantar, mas dava para ver que estava ferida demais para ficar de pé sem ajuda, então Sef correu e parou em frente a ela.

-- Eu sou o novo líder do clã – anunciou. Os leões riram alto e o tigre perguntou:

-- Você? Os gatos começam cedo a trabalhar.

-- Minha mãe não pode fazer nada nesse estado, então eu assumo o lugar dela. O que vocês querem?

-- Nosso rei, o grande ligre Ekom, gostaria de anexar esta terra ao reino, e portanto falar com o mago sacerdote sobre isso.

-- Acho que esse cargo é meu também.

-- Então faça a gentileza de nos acompanhar para encontrar o rei. Partiremos ao amanhecer.

Não era um pedido. Sef olhou para a mãe, mais preocupada do que nunca, e tentou acalmá-la.

-- Vai ficar tudo bem, mãe. Eu vou falar com esse rei e tentar um acordo. Ele deve ser razoável.

-- Não conte com isso se ele está disposto a matar por território – ela respondeu – Não faça isso, deixe comigo.

-- Você mal consegue ficar de pé, mãe, e com a Sahira desaparecida, é meu dever cuidar do nosso clã. Fique e procure por ela, enquanto eu tento resolver isso sem derramar mais sangue.

Uma leoa e um tigre passaram a noite de guarda junto à toca da família. Roxane e Caleb ajudaram os pais a voltarem para casa e tratarem das feridas, que não eram poucas. Ambos tinham lutado bravamente.

Ainda do lado de fora, Sef olhava a Lua Vermelha aos poucos voltando ao estado original, triste por perder a grande festividade.

-- Voltem logo para suas casas – um leão ordenou.

Entrando na toca, Roxane veio a seu encontro e perguntou:

-- Cadê a Sahi?

-- Não vai dar mais para procurar agora que esses brutamontes inventaram um toque de recolher. Amanhã vocês devem continuar procurando mesmo depois que eu for embora.

-- Pode deixar – a malhada respondeu. Caleb se aproximou nessa hora.

-- Vocês também notaram que a Iana sumiu?

Era verdade, a leoa branca desaparecera pouco antes da invasão, e Sahira fora procura-la. Será que conseguiram escapar juntas? Se fosse o caso, era melhor que Sahira estivesse com uma leoa aliada, pelo menos era mais seguro do que ali.

Sef deitou-se junto aos pais, pensando no tal rei que conheceria em breve.

A Feiticeira de BastWhere stories live. Discover now