março de 2021

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"Minhas mãos tentavam parar os golpes do homem debruçado sobre meu corpo, os punhos cerrados deixando marcas por cada centímetro de pele que encontram. Mais um soco faz com que minha cabeça bata no chão, o cheiro do meu sangue misturado com o álcool na roupa dele me sufoca enquanto tento respirar.

- Henry, por favor. - minha voz sai arranhada e estranha por minha garganta trancada."

A realidade me puxa de volta com força suficiente para me tirar o fôlego, a bile sobe por minha garganta violentamente e apenas tenho tempo de correr para o banheiro caindo de joelhos em frente ao vaso sanitário antes de vomitar entre os soluços.

-Mia? - a voz rouca e cheia de sono chama do quarto enquanto estou tentando acalmar meu estômago, dou um chute para trás em busca da porta e a escuto bater com força no batente, era um sinal para ele ficar longe. - Minha farfalla, outro pesadelo?

Mais um... De tantos... Cada um mais assustador que o outro.

-Só me dê uns minutos Henry. Só mais uns minutos. - peço sentindo mais uma onda nojenta se aprontando para subir pela minha garganta.

-Estou aqui. - ele fala por cima dos meus gemidos e ruídos e eu apenas resmungo esperando que aquilo acabe logo.

[...]

Henry entrou no banheiro cerca de uma hora depois que tudo tinha terminado, olhou para mim por alguns instantes, foi até a banheira a colocando a encher antes de sair do banheiro. Me apoio na parede conseguindo levantar meu corpo fraco e puxo a descarga fazendo uma careta para o meu reflexo pálido no espelho, os olhos vermelhos e os lábios rachados.

Eu me sentia doente a dias, não era só um resfriado como minha médica tinha me dito, muito menos reação aos remédios como eu acreditei.

Estou doente de verdade

Henry volta carregando um copo com água borbulhante em uma mão e uma camisa dele na outra, deixa a peça de roupa sobre o balcão da pia e segura minha cintura com a mão agora livre me entregando o copo.

-Estou horrível. - consigo dizer envergonhada soltando um suspiro quando ele limpa uma lágrima que tinha restado debaixo do meu olho esquerdo e engulo um gole da água que ajuda a acalmar meu estômago vazio.- Já passou, estou bem.

-Vou cuidar de você minha piccola farfalla. - ele diz de maneira calma enquanto me leva para a banheira.

Os pesadelos começaram a alguns dias, depois de mais uma sessão pesada da terapia em que a doutora me fez relembrar algumas agressões e enfrentar vários demônios que eu havia mantidos presos nos últimos anos. Com eles vieram as náuseas, tonturas e várias outras coisas desagradáveis que estariam me deixando louca se eu não soubesse que era impossível.

É impossível...

-Henry. - chamo mexendo um pouco minha cabeça apoiada no peito dele enquanto estamos dentro da banheira, a espuma cobrindo até meu queixo e os braços dele me envolvendo como uma bóia salva vidas.

-Oi. - lábios depositam um beijo em meus cabelos e meus olhos se fixam nos meus joelhos dobrados e fora da água.

-Quero trocar de psicóloga. - sussurro nervosa com ele achar que estou desistindo cedo demais, que sou fraca.

-Você sabe minha opinião sobre sua terapia. - a mão dele sobe por meu braço até meu ombro massageando. - As sessões são para você ficar bem com seu passado, não esse ritual de dor e medo que ela está fazendo você passar a cada consulta meu amor.

-Eu deveria ter trocado quando ela me forçou a ligar para Esther. - sussurro mordendo meu lábio enquanto relaxo com a massagem dele. - Aquilo me deixou doente, e eu ainda não consegui me recuperar totalmente.

-Você ainda está com dor? - a mão dele desce rapidamente para minha barriga e nego com a cabeça rindo manhosa.

Como eu disse, a terapia estava me deixando doente a um ponto que meu corpo estava me atacando.

-Não, não sinto dores tem alguns dias. - o tranquilizo com a verdade e brinco com a espuma pensando em minhas opções. - Amanhã pedirei ao Charlie o contato de um novo psicóloga, um de confiança dessa vez. E irei a minha médica aqui... As pílulas que ela me deu bagunçaram todo meu organismo, e é por isso que eu estou tão doente.

Ou eram meus nervos depois de tantos pesadelos e lembranças violenta.

-Quer que eu vá junto? - como sempre pronto para parar tudo por minha causa.

-Você tem um compromisso amanhã. - lembro com carinho brincando com minhas unhas no braço dele. - Vou chamar a Anna para vir comigo.

Era uma chance de fazer nossa família voltar aos trilhos.

-Conseguiu falar com ela? - ele tenta esconder a dor, mas a reconheço em sua voz e nego com a cabeça devagar. - Então?

-Nós trabalhamos na mesma escola, ela não pode fugir de mim por muito tempo, a menos que eu deixe isso acontecer. - falo confiante pensando na minha melhor amiga e em como eu me arrependia de ter escondido as coisas dela. - Você ainda está bravo comigo?

-Eu nunca estive bravo com você Mia... - Henry fala baixo beijando meus cabelos de novo. - Não era seu segredo, Anna vai entender isso quando deixar você explicar. Como entendeu que eu não sabia de nada.

-Ja fazem dois meses... - murmuro magoada e nego com a cabeça. - Eu vou consertar tudo.

-Apenas não se force demais meu amor, a culpa não é de nenhuma de vocês duas. - suspiro o escutando e me encolho contra o corpo musculoso atrás de mim. - E eu sempre estarei aqui.

[...]

Meus olhos pousam na garotinha de trancinhas correndo em direção a mãe, os braços abertos e um sorriso largo e com alguns dentes faltando. Ambas, mulher e filha se abraçaram e a mais velha encontrou meu olhar sorrindo carinhosa para mim.

-Seus alunos sempre estão mais animados que os meus. - a voz baixa e contrariada da minha ruiva surge ao meu lado me tirando dos meus pensamentos e viro meu rosto encarando os olhos azuis de Anna. - Eu sei, tenho sido uma garotinha mimada não falando com você.

Ah... Minha garota.

-Não... Você não tem sido isso não. - nego rapidamente pegando a mão dela e apertando meus dedos nos dela. - Você está magoada comigo, isso é totalmente compreensível.

-Você é muito boa Amélia. Isso ainda vai te colocar em problemas. - rio começando a caminhar quando ela me puxa. - Vinho e bombas de chocolate?

-Vinho e bombas de chocolate vão te fazer me perdoar? - franzo a testa confusa com o jeito dela.

-Eu já te perdoei garota, você não tem culpa do que aquele velho fez durante minha vida toda. E você só estava tentando proteger Henry e eu. - ela me olha apertando meus dedos enquanto andamos em direção a padaria. - Me desculpe por esses meses, eu não queria me afastar, mas...

-Você precisou, eu entendo. - concordo olhando para os meus pés suspirando. - Nós escondemos muitas coisas de você, e você se sentiu traída e excluída, mas nunca foi nosso plano. Henry estava preocupado com minha saúde mental e eu estava meio louca no último ano, apenas tentamos esquecer do que aconteceu em Londres.

-Esquecer que você estava casada com o homem que ama? - ela parece chocada e rio revirando os olhos.

-Bombas de chocolate e vinho primeiro, depois conto a história.

Dolce Pandoro - ConcluídaWhere stories live. Discover now