... para que sejas sábio nos teus dias por vir.

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Para Karina Bae, o apartamento de sua prima Gigi era quase como se fosse seu apartamento, também. Ou quase como o da vovó Hwang. Ou quase como o da vovó Kang. Tinha aquela aura de casa de vó, em que você pode causar e ficar ainda mais à vontade do que ficaria dentro de sua própria casa. Mas era meio que isso, para Karina. Definitivamente, aquele estava entre os três lugares que Karina mais frequentava, fora a própria casa, a escola e o McDonald's de frente para o colégio: estes outros lugares eram a casa da vovó Hwang, a casa da vovó Kang e a casa de Gigi. E a igreja que a avó e a mãe frequentavam.

E para onde Karina ainda pretendia ir, na noite daquele mesmo domingo.

Mas ainda não era hora para se preocupar com compromissos noturnos. Faltava pouco para as três da tarde e o filme que Karina assistia com Giselle mal havia acabado de atingir os primeiros trinta minutos. Ocupavam as duas a sala do apartamento da Kang. Giselle sentada no canto mais a esquerda, meio largada, com os pés apoiados sobre a mesa de centro – coisa que a mãe da Kang não gostava, mas a filha fazia mesmo assim. Já Karina, deitada no mesmo sofá, fazia as pernas da prima de apoio para a cabeça. Juntas, compartilhavam saquinhos de jujuba e latas de Pringles que Karina trouxera de casa, mais uns chocolates que Giselle roubara dos armários da própria cozinha.

Mistura exótica, pode parecer, mas era tarde de filmes. E tarde de filmes é uma daquelas situações em que você é obrigado a comer besteiras. Norma social, praticamente. Questão de bons modos.

E, por falar em bons modos, Karina podia fazer parecer que não os tinha, jogada no sofá e se empanturrando de besteira na casa dos outros, daquele jeito. Sem contar que as duas mais novas da casa tinham dominado a sala toda apenas para as bonitas assistirem a longas-metragens de animações japonesas, enquanto os pais da Kang haviam sido fadados a passarem a tarde de domingo dentro do quarto, coitados. Mas aí é que estava. Ninguém ligava. Logo, não era falta de educação da Bae. Karina era visita tão frequente e aquele tipo de programa era tão recorrente que ninguém estranhava ou se incomodava com a sua presença.

E digo mais! Assim como Karina, Giselle também não tinha o privilégio de ter uma TV só para ela, no quarto, então os tios que lutassem com a televisãozinha que tinham no quarto do casal.

E outra! Tinha como Karina estranhar ou se incomodar? Se suas mães eram ótimas recepcionando suas amigas em casa – por mais que fizessem Karina passar um pouquinho de vergonha, às vezes – seus tios também o eram, em relação às amigas Giselle. Karina só tinha a mais o privilégio de ser também sobrinha. E seus tios lhes deixavam bem à vontade, inclusive. Vez ou outra a mãe de Giselle aparecia para perguntar se precisavam de alguma coisa. Não tinha como Karina estranhar a cara da tia, que era mais ou menos a cara que Giselle teria dali uns trinta anos, provavelmente. Ou, então, o pai de Giselle brotava para buscar algo na geladeira da cozinha, ali à esquerda, separada da sala por uma meia parede, como o tio fazia naquele momento. Também não tinha como Karina estranhar o tio, que era exatamente a mesma cara que Seulgi tinha, só com uma dose bem maior de testosterona e marcada por anos de depilação de barba à base de gilette.

- Oh, pai, joga uma garrafinha de água dessa aí pra gente, por favor? – Após ouvir o pedido da prima para o parente em questão, Karina até pensou em se levantar do colo dela, por segurança. Porque sabia que o tio faria justamente aquilo, jogar a garrafa. E jogou. Karina só não teve tempo de se erguer, mas, por sorte, Giselle era boa agarrando as coisas no ar. Ou fora isso, apenas sorte. – Valeu.

Do jeito que fosse, Karina ouvia, bem lá no fundo de seu inconsciente, a voz de Seulgi a dizer algo como "não joga coisa nas meninas, seu tonto!", para o irmão mais velho. As interações entre os dois eram sempre assim.

Eis que os filhos são herança do Senhor!Where stories live. Discover now