A ponta do Iceberg

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As coisas não estavam boas, hoje era terça, segundo dia após a corrida em Abu Dhabi e um dia antes da nomeação de Lewis como Sir.
Ele estava quieto, evitava falar com todos. Depois das reuniões ficamos apenas eu, ele e Roscoe. Apesar da sua tristeza, o mau humor havia passado, e eu estava tentando fazer com que ele melhorasse desviando a atenção para outras coisas.
Já tentei contato físico, e até adiantou, mas momentaneamente, tentei conversa fútil, mas ele não era do tipo que gostava de jogar conversa fora. Um dia e meio estava parecendo uma eternidade, mas ao menos ele parecia melhor então provavelmente estava ajudando.
- Há algo em que você não é bom? - eu perguntei a ele que estava sentado ao piano tocando os acordes finais de Another Love de Tom Odell.
- Você também tem muitas facetas, não sabia que você cantava tão bem. - ele comentou finalizando e olhando para mim.
- Eu sou compositora, então para isso tenho que saber cantar um pouco para dar ritmo as letras que escrevo. - eu disse.
- Olha só, essa é nova.
- Fiz um programa de extensão de produção musical na UCLA quando me mudei para LA.
- E você trabalha com isso hoje? - ele perguntou me puxando para sentar em seu colo.
- Sim, eu, Nick e o Denny, lembra deles? - perguntei rindo lembrando do situação na casa em Laguna.
    - Sim, eles são umas figuras. - ele disse revirando os olhos.
    - Então, nós temos essa produtora, atualmente eu trabalho mais com produção de vídeos clipes, mas anos atrás eu compunha muitas músicas para algumas bandas, e já produzi alguns álbuns. - eu contei a ele.
     - Você é muito mais cheia de surpresas do que eu. - ele comentou dando um beijo em meu pescoço.
   - Discordo, eu posso ser multitarefas, mas você também é, a diferença entre nós é que enquanto eu sei apenas fazer, você é o melhor em qualquer coisa que faz. - falei para incentivado, mas parece que o efeito foi o oposto, pois o brilho dele foi sumindo com a menção ao trabalho.
    Ele me tirou de seu colo e levantou do banco, andou até o mini bar que ficava próximo e serviu um copo de whisky. Fiquei ali sentada pensando em como iria contornar a situação.
     - Olha Lewis, eu posso continuar ignorando tudo isso que está acontecendo, e fingindo que não me importo e tentando fazer você esquecer a bosta que aconteceu, mas a verdade é que é um elefante na sala, qualquer coisa vai nos trazer de volta a isso, e eu sou o tipo de pessoa que prefere enfrentar o problema de cara do que ficar contornando-o. - falei levantando e indo até o bar me servir um copo também.
      - Você não tem nada com isso, então não temos nada que falar sobre isso. - ele falou ríspido virando o conteúdo do copo todo de uma vez na boca.
      - Isso mesmo, continue me afastando e sendo grosso comigo, é exatamente isso que mereço por ficar ao redor tentando ajudar. - falei brava.
     - Não quero ofende-la, mas certas coisas você pode ser poupada. - ele disse enchendo o copo novamente.
    - Talvez eu não queira ser poupada, afinal eu escolhi ficar e te ajudar a lidar com isso. - falei virando o resto do líquido do copo na minha garganta.
     - Isso é tão fudido sabe, envolve tanta coisa. - ele começou a falar passando a mão na cabeça e indo até o sofá para se sentar. - eu sempre fui alvo deles, eu não sou o único homem negro lá por coincidência, eu só estou onde estou por ser bom o suficiente para ser indispensável, então muitos deles ou tentam fingir que não veem minha cor, ou me prejudicam por não suportarem que alguém da minha cor esteja lá. - ele explicou indo até o sofá e se sentando.
      - Isso é fudido, eu sei como é. - eu disse sentando ao lado dele.
     - Não, você não sabe como é. Você é uma mulher branca, por mais empatia que você tenha, você não pode imaginar o que é isso. - ele disse me olhando sério e eu retribui o olhar sério.
    - Talvez seja você que não entenda. Como você mesmo disse eu sou uma MULHER, e como mulher eu sou a voz da minoria assim como a pessoa preta é, claro que por motivos diferentes e com desafios diferentes, e por isso a pessoa que mais sofre na sociedade é a mulher negra, pois ela é a mais subjugada. Então não ache que minha empatia é simplória, sendo mulher eu passei por situações em que meu mérito foi me tirado para que um homem sendo branco ou não levasse o crédito. - falei firme e ele arregalou os olhos.
     - Sociedade de merda. - ele comentou baixo.
     - Mas voltando ao seu assunto, a situação é fudida, mas você foi e precisa continuar sendo forte e dá a volta por cima. Você precisa mostra para esses bostas que não importa quantas vezes eles tentarem te tirar do jogo você vai continuar lá para incomoda-los. - eu falei a ele.
    - Mas é difícil sabe, eu tenho pensado muito se esse é o momento certo de parar. A aposentadoria é uma opção. Eu estou cansado dessa vida corrida, literalmente, cheia de riscos e quando se passa por eles e luta tanto e não recebe o mérito, me questiono se valeu a pena. - ele falou visivelmente frustrado e cansado.
    - Claro que valeu, você tem um mar de fãs que te admira e te apoia, você vai ser condecorado Sir amanhã, você tem o maior número de títulos e vitórias. Tudo isso não é mérito suficiente?
     Ele ficou calado e olhou para o teto, recostei no sofá e também encarei o teto, eu sabia que as coisas estavam confusas para ele, mas estavam igualmente confusas no meu trabalho e nem por isso eu estava entrando em parafuso, eu só esperava que ele se recompusesse logo.
     Meu telefone começou a tocar e eu me levantei para ir atende-lo, era Brian, meu agente, ele raramente me ligava, pois geralmente mandava todos os recados com Triz, a gerente, então se ele estava vindo falar pessoalmente a coisa era mais séria, atendi logo para saber o que era.
     - Olá Brian.
    - Oi Melissa, como está? - ele respondeu do outro lado da linha.
    - Bem.
    - Espero que esteja tudo bem em Londres, pois estamos precisando que você volte para Los Angeles ainda essa semana. - ele foi direto ao ponto como sempre fazia.
    - Eu preciso de mais um tempo, por que a urgência?
   - Baltasar quer que a reunião aconteça o quanto antes, você é a produtora, faça seu trabalho como uma, volte e ajude a arrumar fundos para a produção. A Sony recusou a proposta então temos que ir atrás de outras distribuidoras.
     - Eu vou dar um jeito de ir o quanto antes, só preciso lidar com as coisas daqui, me dê mais um tempo. - eu falei.
    - Não temos muito tempo, Baltasar está impaciente e pode cogitar tirar você do projeto.
    - Como assim? O projeto é meu. - falei indignada.
    - Volte o quanto antes essa semana, seu tempo está correndo. - Brian disse antes de desligar.
    Quando a ligação terminou sentei na cama e pensei em o que iria fazer, não queria voltar agora e ter que deixar Lewis sozinho justo agora que ele está se conectando comigo. Porém eu nunca deixei de fazer um trabalho por causa da minha vida pessoal, quanto mais sendo vida de outra pessoa.
    Suspirei fundo e passei as mãos no cabelo em frustração. Lewis entrou no quarto, olhei para ele e vi sua cara enigmática, ele foi até o closet e pegou uma roupa de caminhada.
     - Vai correr? - perguntei e ele confirmou com a cabeça. - vou junto. - disse indo pegar uma roupa para mim.
    - Não, preciso ficar sozinho um pouco, quero colocar meus pensamentos no lugar. - ele falou sério e eu recuei deixando que ele se arrumasse e fosse.
———//———
    Estava mandou e-mails quando Lewis chegou, contatei algumas distribuidoras menores que poderiam me ajudar com meu projeto.
    Lewis foi até a cozinha para pegar água.
    - Achou que está na hora de você voltar para sua casa. - Lewis disse sem olhar para mim, por um segundo até me questionei se ele não estava falando com Roscoe, pois aquilo veio do nada.
   - Eu? Assim? Do nada? - perguntei confusa.
    - Vou arrumar para você um voo saindo daqui amanhã. - ele disse andando pela cozinha.
    - Por que isso agora? Não acho que esse seja o momento ideal, fiquei aqui para lhe fazer companhia. - eu argumentei.
    - Roscoe é a única companhia que eu preciso. Não posso perder o foco novamente como perdi nas últimas corridas, minha prioridade sempre serão os carros, qualquer coisa além disso vem depois. - ele falou ríspido enquanto colocava comida para Roscoe.
     - Você está dizendo que EU fiz você perder o foco na corrida? - falei com voz de espanto. - Que eu fui o motivo para você não ter ganhado o campeonato? Você foi correr e teve uma epifania que seu problema tem sido EU? - falei indignada.
    Era inacreditável, eu estava lá levando chute como um cachorro no chão, enquanto ajudava esse homem a passar por essa fase de merda, e agora ele vem com esse papo de que era eu que o estava atrapalhando.
A verdade era que ele quem estava me atrapalhando, eu deveria está trabalhando em Los Angeles agora ao invés de lamber as feridas de um bebê chorão como ele.
    Levantei indignada e sai pisando duro, mas antes dei meia volta.
    - É, realmente, concentre nos seus carros e viva essa vida miseravelmente solitária, onde você nunca se acha o suficiente. - falei nervosa, virei as costas e segui para o quarto para pegar minhas coisas.
    Ele veio atrás de mim, não disse nada, apenas veio me acompanhando.
    - Sabe Lewis, enquanto você não começar a colocar na sua vida coisas além do trabalho e da competitvidade, você nunca vai conseguir ver a beleza em viver. - disse triste fechando minha mala.
    - Essas são as únicas coisas que eu tenho. - ele sussurrou baixo para que eu não ouvisse sua resposta.
    - Não, essas são as únicas coisas que você se permite ter. - disse firme pegando minha mala e saindo. - não se dê o trabalho de perder o foco por mais um dia, vou para um hotel até conseguir um voo amanhã.
    Toda essa confusão era só a ponta do iceberg, nosso relacionamento era todo mal resolvido, o que deixava as coisas confusas e sem que eu tivesse liberdade para reclamar sobre como ele tinha descaradamente me trancado para fora de sua vida, mesmo depois de eu ter lutado tanto para ficar.

Apenas um encontroWhere stories live. Discover now