+ (Não) Confiável +

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No dia seguinte ao ataque, Velaris ainda estava terrivelmente quieta. E isso provocou um profundo desconforto nas entranhas de Velarie, que despertou sozinha na cama de seus pais. Não que ela tivesse dormido por muito tempo, tampouco alcançara o descanso necessário para seu corpo, mas ela gostava da ideia de poder usar toda a situação como desculpa para não seguir as ordens de permanecer na cama.

E ela não sabia quando ou quanto tempo levou, mas seus pés a conduziram para os destroços do teatro central. E lá ela ficou, olhando o vai e vêm de algumas pessoas que ainda procuravam por corpos desaparecidos. Tinha sido uma noite de ensaio, ao qual ela se ausentara pelos deveres da Corte. Mas, ela poderia dizer com certeza, preferia ter estado alí e morrido com eles. Mais pessoas, mais companheiros de vida, mais amigos e conhecidos, queridos, que se foram. E ela falhara miseravelmente, de novo.

Seus olhos estavam presos ao palco, iluminado por um arrombo no teto. Partículas de poeira voavam, parecendo fagulhas contra a luz. Ela amava aquele lugar, mas estava arruinado. Demoraria meses para reerguer o local, e seus colegas ficariam desamparados e desempregados durante o processo. Era um pesadelo terrível. E Velarie queria acordar.

Cassian a encontrou em frente ao teatro no fim da manhã, logo após sua ída até Ilyria para comunicar a decisão de sua Grã Senhora. Rhysand estava cansado de lidar com eles, de pensar neles, e o General não o culpava por isso - ele também estava. Por isso, não sentiu remorso ao dizer para os líderes dos acampamentos que todos sofreriam pelo atentado. Eles tinham afrouxado a coleira, financiado projetos de moradias e alimentação, mas bastava. Agora, esse dinheiro iria para a reparação de Velaris. E por mais que o coração de Cassian se apertasse no peito por todas as crianças em Ilyria, era um mal necessário. Velarie quase morreu.

Ele observou as costas da jovem por um tempo. As asas, as cicatrizes. Aquilo era demais para uma garota tão jovem. Mas Velarie permanecia alí, de pé, os olhos escuros não mostrando nada além da promessa de uma vingança furiosa. Uma maca de bambu e lona passou em sua frente, sendo carregada por dois trabalhadores. Cassian deu alguns passos, estendendo a mão para tirar Velarie dalí, ela não precisava ver aquilo. Mas, sua sobrinha não se movera um centímetro sequer, mesmo com o aperto em seu braço. Uma mão de unhas pintadas pendia para fora do pano que cobria o cadáver, e o aperto de Cassian aumentou, tentando tirar Velarie daquela visão.

Entretanto, sua preocupação não diminuiu nos dias que se passaram, nem nas semanas seguintes. Cassian não se intrometia na criação de seus sobrinhos, mas, deuses, ele queria gritar para que a tirassem de casa, e se possível, da Corte. Ele podia ver traços dos mesmos antigos comportamentos de Velarie após o Rito, mas desta vez, tinha raiva e ódio. E Cassian teve a confirmação de suas suspeitas durante o evento em respeito às mortes no teatro.

Rhysand discursava ao lado de Feyre e Nyx. Velarie não estava ao lado deles, estava sentada ao lado da mãe de uma das vítimas, que agarrava sua mão como se fosse de seu próprio filho. E, mesmo com os soluços da fêmea, a herdeira Noturna não esboçava sentimento algum. Seus olhos escuros e revoltos olhavam em outra direção, para o pôr do sol, que tingia a praça central em laranja. Suas olheiras estavam cinzas e sua boca ainda possuía um machucado, mesmo após um mês desde o ocorrido - talvez ela estivesse mordendo o local, ele constatou. Sua postura era dura, e seu queixo estava levantado, imponente como uma rainha. Cassian reconhecia aquela fisionomia muito bem, e sabia as dores e traumas que aquela postura poderia esconder. E com uma rápida troca de olhares com sua parceira, ele percebeu que ela também notara.

Isso deixou um gosto amargo em sua língua. Não era apenas o fato de Velarie o lembrar de quando Nestha estava aprisionada em dor e desespero. Cassian reconhecia aquele olhar vazio, era igual o de Rhysand após assumir a coroa. Pais e irmã assassinados em uma mesma noite - a noite em que ele se tornara Grão Senhor. Como não sair marcado de algo assim? Como não perder esperança e bondade?

𝐀 𝐂𝐨𝐮𝐫𝐭 𝐨𝐟 𝐖𝐢𝐥𝐝𝐞𝐬𝐭 𝐃𝐫𝐞𝐚𝐦𝐬 | Eris Vanserra Onde histórias criam vida. Descubra agora