34. A caçada

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      Quando estávamos próximos ao penhasco do qual pulamos para irmos à Itália mais cedo, já havia amanhecido. Desse modo, era mais seguro que mantivéssemos Sulpicia e a nós mesmos em uma trilha mais afastada. Para variar, Forks estava com o dia nublado e todos sabíamos que não havia risco de sermos descobertos. Porém, como as férias de verão estavam quase no auge, era comum que humanos fossem acampar, fazer trilha e escalar naquela região. Apesar de não estar com os olhos negros, não tínhamos noção de quanto tempo a esposa de Aro estava sem se alimentar, então, preferimos evitar quaisquer acidentes. Até mesmo porque, ela não poderia matar um ser humano sequer por ali. Mergulhamos para que pudéssemos nos impulsionar e, quase como uma unidade, nos lançamos para cima.
Enquanto corríamos em direção à casa de vovô, Sulpicia observava tudo, encantada com cada detalhe da mata e dos animais que ali estavam.

"É a primeira vez que ela sai do castelo em séculos" – contou-me papai, percebendo onde estavam meus olhos e deduzindo ser o mesmo lugar no qual meus pensamentos estavam
"Sinto pena dela." – falei – "Mas, pelo menos agora, ela pode conhecer um pedaço do mundo que está fora das paredes de Volterra"
"Sim, ela pode". – papai fez uma pausa e depois prosseguiu – "E eu não acredito que, depois de tudo isto se resolver, Sulpicia irá querer retornar para a vida que tinha antes"
"Também acho que não" – ponderei – "Sei que Aro só quer protegê-la, mas mesmo com toda a segurança posta sobre ela, sua vida correu perigo"
"Não é por isto." – explicou – "Quando a esposa de Marcus morreu, Sulpicia, mais que Athenodora, sentiu a perda. As duas eram muito próximas. Mais irmãs do que amigas. Então, para que não acontecesse com Aro a mesma perda sofrida por Marcus, Sulpicia concordou em ficar reclusa. Mas ela não percebeu o tempo que passou. Ela quer voltar a viver"
"Você acha?"
"Olhe a mente dela. Está tudo ali"

    Então, fiz o que papai me disse. E, realmente, estava tudo ali. Inúmeras lembranças invadiram a mente de Sulpicia, de quando era humana, mas, principalmente, antes da morte de Didyme. Ela lembrava-se de rir, correr por campos e florestas, caçar... a liberdade que emanava daqueles pensamentos era contagiante. Não apenas isto, a liberdade que a mulher sentia por estar aqui conosco, correndo em uma floresta, era forte demais. Arraigado a este sentimento, havia outro: saudade. Ela sentia falta disto. Sentia falta de simplesmente ser livre. De viver. O que mais doía nestas memórias era que Sulpicia ressentia-se de si mesma por ter deixado que a superproteção de Aro fosse longe demais, durando séculos. Ela sabia que Corin estava intimamente envolvida nisto, pois controlava suas emoções para que se mantivesse satisfeita, mesmo sabendo que estava em um cativeiro. Na verdade, Sulpicia percebia somente agora que estivera empresa todos estes anos. E ela havia se decidido. Quando voltasse para casa, não retornaria para aquele quarto. Arrumaria outro para si, ou dividiria o de Aro com ele. Além disso, sairia quando quisesse. Levaria um guarda consigo, se isto deixasse o marido mais confortável, mas sairia. Caçaria fora daquelas paredes. Correria por Volterra no meio da noite, apenas para sentir o vento batendo contra sua pele e seus cabelos. Ela não seria mais prisioneira em sua própria casa.
     Falando em casa, havíamos chegado na casa de vovô. Abrimos a porta da frente, que fora deixada destrancada, e nos dirigimos para a sala de estar.

– Sua casa é muito linda! – elogiou Sulpicia
– Obrigada! – vovó Esme estava orgulhosa com o elogio
– Pode ficar em meu quarto. – falei
– Não vai precisar dele? – indagou nossa hóspede
– Não. – sorri para tranquiliza-la – Durmo nele apenas quando pernoitamos aqui
– Nossa casa fica a cinco minutos daqui. – explicou mamãe – Não precisa se preocupar
– Eu te mostro onde é – chamei-a

    Subimos e eu abri a porta para que Sulpicia pudesse deixar seus pertences lá dentro.

– Você realmente dorme? – perguntou-me
– Sim. – respondi – Às vezes até mais do que a cama me permite – ela riu
– Isto é fascinante – ela se virou para mim – No que mais difere de nós? Além do óbvio – completou antes que eu pudesse responder, apontando em direção ao meu peito. Para o coração que batia ali dentro
– Também me alimento de comida humana. – respondi, enquanto retornávamos para junto de meus demais familiares – Não é o suficiente para que eu me abstenha do consumo de sangue, mas faz com que eu precise me alimentar com menos frequência
– Pode ficar sem comida humana?
– Posso. Mas, caso eu fique, precisaria caçar com mais frequência que um vampiro normal
– Por quê?
– Acho que o vovô é a pessoa mais preparada para te responder isto. – admiti rindo
– O metabolismo de Renesmee é muito acelerado. – explicou – Então, para que ela se mantenha ativa, precisa consumir elevadas quantidades de calorias. A comida humana fornece uma quantidade razoável para ela, a ponto de que cace com tanta frequência quanto qualquer um de nós. Se ela ficar sem se alimentar, quando caçar, vai ingerir o dobro de sangue que o mais sedento de nós
– Você, Renesmee, – falou – é uma criatura impressionante. – corei. Ela se virou para os meus pais – Não quero ser intrometida, mas sou uma pessoa bastante curiosa, como se deu a concepção dela? – seus olhos estavam em meu pai – Como conseguiu não machucar sua esposa, ainda humana, durante o sexo?
– Com muito, muito esforço – admitiu papai
– A gravidez foi mais perigosa do que o sexo jamais poderia ter sido. – explicou mamãe – Renesmee era muito mais forte do eu desde seu primeiro dia de concepção. Fora que seu crescimento naquela época era ainda mais rápido do que é hoje. Então, à medida que crescia, como qualquer outro bebê, ela mexia e se virava em minha barriga para se preparar para o próprio nascimento
– Quebrei vários ossos de mamãe no processo. – contei – A coluna e o ílio forma os últimos
– Foi quando soubemos que ela iria nascer. – falou vovô – A bolsa amniótica não se rompeu como é de praxe em qualquer mãe mortal. Era resistente demais. E só quando conhecemos Nahuel foi que descobrimos que híbridos, geralmente, nascem sozinhos
– Você mesma teria aberto o caminho? – perguntou Sulpicia
– Sim. – olhei para baixo – Todos os outros rasgaram as mães de dentro para fora
– Existem quantos de você?
– Sete, – respondi – contando comigo
– E no sol?
– Sou tão discreta quanto qualquer vampiro. – todos rimos – Se somar meu cabelo nesta brincadeira, posso ser até um pouquinho mais – as gargalhadas ficaram mais intensas
– Culpado – falou papai em meio ao riso
– Sabem, – disse Sulpicia depois de um tempo – posso não ter as habilidades de Marcus, mas, além de já ter conversado e ouvido conversas a respeito de vocês, agora que estou aqui, vendo-os, é inevitável que são, no contexto mais literal possível, uma família. – ela olhou para cada um de nós – Sei que se tratam de dois clãs. Mas, em todo o percurso e mesmo agora, com vocês me contando um pouco sobre a história de Renesmee e rindo de piadas, isto está muito evidente. Em todos os meus séculos de vida, eu nunca vi isto. E eu os invejo pelo que têm. Os Volturi nada mais são que um clã grande, unido por, nada mais nada menos, que o poder e a ambição de seus membros. Haja vista que Caius planeja derrubar meu marido para que ele próprio ascenda. Vocês seguem seus líderes, não porque são mais fortes, mas porque os respeitam. Isto é o que os torna tão fortes. Por isso, Aro os admira tanto e Caius os teme tanto. – ficamos todos sem palavras. Éramos, sim, uma família. Jamais nos importamos se um de nós tinha ou não poderes. Se tinha ou não algo a acrescentar. A única coisa que sempre importou era que nós nos amávamos. É isto também se estendia aos Denali, pois eles eram uma extensão de nossa família. Porém, ouvir isto de alguém de fora, ouvir desta mesma pessoa que ela invejava o que tínhamos, era diferente. Todos ficamos sem reação
– Para nenhum de nós os poderes importam. – falou vovô, sendo o primeiro a se recuperar do choque que as palavras de Sulpicia causaram – Quando cada um dos membros de minha família foi transformado, tínhamos uma história. Mas o que sempre nos importou foi o motivo de estarmos juntos
– Alguns de nós foram transformados com o intuito de servir como armas. – completou Tanya– Alguns, foram transformados apenas para servir de companhia para outro imortal. Mas, no final, o que nos uniu foi o amor e o respeito. E isto é, até hoje, a única coisa que nos resta e que importa
– Eu gostaria de ouvir as histórias de cada um de vocês, caso não se importem. – pediu – Gostaria de saber como eram suas vidas humanas, como foram transformados, ou nascidos. – acrescentou olhando para mim, – Mas, principalmente, gostaria de saber como se encontraram e se transformaram nesta coisa maravilhosa
– Será um prazer lhe contar – falou vovó sorrindo

Noite branca Where stories live. Discover now