36. O golpe

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    Naquele mesmo dia, há dois anos e oito meses, Sulpicia chegava em nossa casa. Aro realmente seguira nosso conselho e fora prudente. Ele interceptou cada passo dado por Caius com maestria. O líder dos Volturi nunca tomou uma decisão antes de receber a mensagem de minha tia Alice, ou da própria esposa, contando-lhe o segundo na hierarquia planejava. Como prevíramos, Caius sequer se importou com o fato de que Aro passara a querer compartilhar o quarto com Sulpicia e voltou seus esforços para assassinar Jane e Alec, suas duas maiores preocupações e ameaças a seus planos de depor Aro. Porém, tinha ciência que não poderia atacar os gêmeos sem mais nem menos e os dois não poderiam sair do castelo sem uma boa justificativa. Além de precisar driblar a desconfiança dos dois para com quaisquer desculpas que pudesse dar que não fossem absolutamente convincentes.
    Com isso, Caius planejou matar Corin. Apesar de ser uma aliada e possuir um dom bastante útil, ela era descartável o bastante para morrer em prol da concreto de seus planos. Além disso, a morte de alguém com seus poderes seria a justificativa perfeita para tirar Jane e Alec do castelo e forjar uma armadilha para matá-los, pois Aro iria querer encontrar o culpado pela morte da guarda. Caius sabia que ele o faria por qualquer um, mas alguém com um dom como o Corin, teria seu peso. Então, ele pediu para que Santiago fizesse o trabalho. O homem deveria abordar Corin com o pretexto de lhe contar o plano e, pegando-a de surpresa, arrancar-lhe a cabeça. E deu certo. Santiago podia ser um brutamontes, mas era bom de serviço. A morte foi rápida e limpa, apesar de o sentinela ter tido que simular uma luta no quarto, já que Corin não cairia sem lutar. A única coisa que Caius não contava era que a equipe formada pelos gêmeos, Demetri e o próprio Santiago retornaria com os irmãos vivos e seus aliados mortos. Em seu relato, Jane, que não tivera um fio de cabelo retirado do penteado que usava no dia, alegara que foram emboscados e, por serem muitos, oito, fora o que ela declarara, Demetri e Santiago também precisaram lidar com alguns dos atacantes, não sobrevivendo à armadilha. Caius desconfiara de início. Os poderes de Alec lhe permitiam inutilizar inúmeras ameaças de uma só vez. Mas, quando Jane disse que alguns estavam fora de vista, Caius se viu obrigado a ceder. Aro lera os pensamentos dos gêmeos com a desculpa de tentar reconhecer algum dos rostos, mas ele queria ver o que Caius havia planejado para Jane e Alec.
    O plano havia sido muito bem arquitetado. Os dois guardas aliados de Caius, ao chegarem no local de onde Demetri dissera que o rastro havia terminado, um local bastante amplo, como uma praça, sugeriram que se separassem para cobrirem um maior terreno em menos tempo. Os gêmeos aceitaram e cada um pegou um ponto cardeal. Demetri e Santiago foram propositalmente nas direções leste e oeste, respectivamente, pois ao final de ambas as ruelas havia uma confecção com os locais que Jane e Alec estariam investigando. Fiquei impressionada, quando Aro nos relatou estes acontecimentos, com o cuidado de Caius em até mesmo designar cada um dos guardas para um dos gêmeos. Demetri, por ser um rastreador, ficaria encarregado de matar Alec, já que os poderes do menino eram mais amplos e atingiam mais de um sentido ao mesmo tempo. Já Santiago deveria atacar Jane por trás, não dando tempo para a garota de perceber o que estava por vir, uma vez que ela era mais arisca que o gêmeo e não nutria afeto por mais ninguém que não fosse Aro ou o irmão. A determinação de Caius em cumprir com seus planejamentos o mais rápido possível, não dando ao outro líder tempo de esmiuçar os acontecimentos e chegar até ele poderia ser seu ponto fraco, mas, caso Aro não soubesse antecipadamente o que iria acontecer, Caius teria êxito. Mesmo na pressa para se resguardar e depor Aro, seus passos eram meticulosamente calculados. Ele chegara, inclusive, a cogitar direcionar as pistas para os Romenos, mas desistira da ideia. Por mais que Vladimir e Stefan realmente almejassem retornar aos seis anos de glória, os dois esperavam que alguém ousasse desafiar os Volturi. Aro desconfiaria se os ataques fossem atrelados aos dois.
    Os gêmeos, de posse da estruturação da armadilha, montaram a própria emboscada contra seus futuros atacantes. Uma vez nas ruelas que tomaram, Alec escondeu-se nas sombras, contra uma das paredes, e esperou que Demetri aparecesse que reclamar sua vida. Assim que o rastreador apontou na esquina, o menino retirou-se os sentidos e o matou. Sua morte não foi limpa. Alec o desmembrou, arrancando-lhe a cabeça apenas no final. Já Jane, assim que virou a esquina, dirigiu-se para o telhado, pois sabia que Santiago a abordaria por trás. Ela aguardou enquanto a sentinela vasculhava a rua a sua procura. Então, surgiu de frente para ele, oferencendo à sua vítima um sorriso triunfante e ameaçador antes de lhe inflingir uma dor aguda. Ela descontou toda a sua raiva diante do que ele planejava fazer com ela naquele golpe. Santiago urrou e chegou a pedir clemência depois de desferir inúmeros impropérios a ela. Jane deliciou-se com o sofrimento dele. O fato de estar no meio da madrugada em uma região completamente deserta colaborou para que ela não se apressasse em fazê-lo sofrer. Por fim, tal qual o irmão, inflingiu golpes que poderiam ser entendidos como defensivos ao corpo de Santiago antes de matá-lo. Depois de atearem fogo aos dois corpos, os gêmeos, satisfeitos, retornaram para casa.
Depois disto, Caius precisou tomar mais cuidado. Ele não contava com uma real emboscada e ela ainda o intrigava, mas sabia que não poderia fazer muitas perguntas a Aro. Quaisquer desconfianças extras que tivesse poderiam servir de alerta ao outro. Infelizmente, haviam, sim, alguns de sua espécie, não apenas os Romenos, que tinham contas a acertar com os Volturi. Com isso, ele tomou outro rumo. Decidiu por instigar o líder a encontrar os culpados pelo ataque. Mostrando-se determinado a mandar uma mensagem sobre o que ocorreria caso alguém se virasse contra os Volturi, Aro prontamente concordou com a caçada. Porém, os gêmeos permaneceriam em Volterra. Eles eram valiosos demais para serem postos em risco novamente. Então, o novo grupo de busca, por sugestão de Caius, fora menor, apenas Felix e Heidi iriam. A beleza da mulher poderia ser útil na obtenção de informações e a força do homem era o bastante para coagir qualquer um a falar tudo o que sabia. Felix retornou sem Heidi algumas semanas depois e contou que os dois se separaram para interrogar mais pessoas. Em seus pensamentos, Aro viu apenas isso. Depois viu Felix encontrando o corpo em chamas de Heidi. Caius certificara-se que Athenodora estivesse a postos para assassinar Heidi quando esta saísse do campo de audição de Felix. Sua esposa fora rápida e eficiente.
Aro ficou possesso em perder outro membro da guarda, mesmo um que não possuía nenhum dom realmente útil.
Mais uma vez, depois de esperar algum tempo, Caius sugeriu que fizessem outra busca pelo mandante destes assassinatos e assim foi feito. O que não víamos pelas visões de tia Alice, Aro nos relatava em mensagens enviadas a Sulpicia. Com o intuito de retirar Renata da jogada, Caius sugeriu que a sentinela acompanhasse Felix, mas Aro discordou e disse que seria melhor se o outro fosse sozinho desta vez, a fim de não chamar a atenção. Então, a notícia que se espalharia, caso fosse indagado o motivo de o guarda estar fora das paredes do castelo, era que Felix saíra para caçar. Quando o grandão retornou de mãos vazias, quase um mês e meio depois, eles aguardaram novamente.
    O vice líder do Clã Volturi levou meses para formular um novo plano que, quando executado, seria eficaz em retirar a guarda costas pessoal de Aro do tabuleiro.
Porém, Caius preferiu mover outras peças do jogo. Os oito membros da guarda que eram menos relevantes e se aliaram a ele devido a suas ambições, foram perfeitos para isto. Cuidadosamente, ele foi posicionando e planejando cada passo que seria dado. E tia Alice, bem como todos nós e nossos primos de Denali, acompanhava tudo. Era visível o medo que Sulpicia tinha pela segurança de seu marido e, todos os dias, eles se falavam quando Aro se retirava para seus estudos na biblioteca do castelo. A cada visão, a mulher assumia uma quietude sobrenatural. Então, seu humor oscilava entre a preocupação e a raiva. Todas vezes eu tinha certeza que, se pudesse, ela iria até Volterra e mataria Caius e Athenodora com as próprias mãos. A única coisa que a impedia de tomar tal atitude era que isto implicaria na distração de Aro do que era realmente importante, podendo significar sua morte. Este desfecho, para ela e para nós também, estava fora de cogitação. Após as conversas via mensagem, era nítido o quanto ela se tranquilizava e seu humor retornava à tranquilidade e doçuras habituais.
Caius, às vezes, agia com mais rapidez, em outras, ele levava mais tempo. Tio Jasper me explicou que o modo de agir dele estava de acordo com o que se esperaria de qualquer um que quisesse derrotar um exército cuja força era maior que a sua. As mudanças nos tempos de ataque tinham o intuito de pegar o adversário desprevenido e diminuir seus números, ou, ao menos, mitigar sua força por tempo o bastante para que o próximo ataque fosse mais efetivo.
As baixas ficaram bastante niveladas por muito tempo. Contudo, nos últimos meses, o número de aliados de Caius superava o de Aro em três pessoas. Jane, Alec, Renata, Chelsea e Afton permaneceram intocados e isto deixava Caius irado. Seus maiores alvos estavam ali e ele não tinha acesso a nenhum deles por tempo o bastante para matá-los.
    Há exatos quatro meses, ele conseguira assassinar Renata. O golpe fora certeiro. Athenodora disse-lhe que queria caçar, pois sentia falta desta adrenalina e ele reportou este desejo a Aro. Sem Heidi, o número de pessoas que eram levadas até o castelo para serem a refeição dos membros remanescentes dos Volturi diminuíra consideravelmente. Principalmente por Aro alegar que queria ter um maior controle de quem entrava e de quem saía de seu lar, pois "qualquer um poderia ser o responsável pelos ataques e cautela nunca fora um excesso", dissera o líder. O que Caius sequer imaginava era que Aro, quando ia para seu momento de estudo, saía para se alimentar. Então, ele estava mais forte do que seu adversário. De início, o líder não quis permitir que sua guarda costas pessoal saísse de sua vista, mas Athenodora estava com os olhos negros e olheiras extremamente escuras e profundas. Sua fome encaminhava-se para se tornar implacável e Aro sabia que arriscar que ela saísse em meio ao frenesi da fome era um risco maior do que abrir mão de Renata. Como a sentinela não sabia dos planos de Caius, mesmo com pesar, Aro permitiu que ela acompanhasse a esposa do outro e fosse morta neste processo. Quando Athenodora retornou, com os olhos rubros e brilhantes, ela estava sozinha e disse que as duas foram emboscadas. Ela havia conseguido fugir, Renata não. Aro viu a cena nos pensamentos da mulher. Os atacantes estavam encapuzados, mas ele sabia quem eram e ficou desejoso de suas cabeças por isso. Uma vez questionada de como conseguiu se alimentar, Athenodora disse que se escondeu em um esgoto e utilizou as pessoas que ali moravam como alimento. Naquele dia, mais do que nos outros, Aro confessou ter tido vontade de desmascarar Caius e tentar matá-lo. Tia Alice, inclusive, tivera uma visão extremamente nítida a respeito de como se daria tais assassinatos.
Ao final de todos estes eventos, o placar ficara: Aro com sete aliados e Caius com cinco. O co-líder estava uma pilha de nervos com essa virada. Felix ainda fazia parte de seus aliados e isso tranquilizava Caius, já que sua força seria de grande auxílio quando efetuasse os próximos passos de seu plano.
Por dois meses e meio não tivemos uma movimentação vinda de Caius. Não era nada suspeito, mas o fato de ele não ter tomado nenhuma decisão era estranho e isso inquietou a todos nós. Temíamos que ele tomasse alguma atitude impulsiva, não nos permitindo ter ciência do que viria com antecedência. Além disso, ele sempre planejava algo. Mesmo que não pusesse em prática, alguma coisa passava por sua mente. Mas, não agora. Este silêncio estava deixando Sulpicia louca. Quando ela ficava com nossos primos em Denali, a esposa de Aro sempre ligava para pedir notícias. Em geral, tia Alice tinha algo para falar com ela. Mas não no momento. Era para Sulpicia ficar em Denali até o final do mês, mas sua agitação ficara tamanha que ela resolveu vir para Olympic a fim de ficar mais próximo de minha tia e saber em primeira mão quando Caius planejasse algo. Nenhum de nós se opôs. Era consenso que, no lugar dela, todos faríamos a mesma coisa.
Por estar de férias, eu estava em casa, com Seth sentado ao meu lado. Ele assistia ao jogo de baseball com minha família enquanto eu desenhava em meu caderno. Tia Alice e papai jogavam xadrez na mesa que ficava perto da janela e mamãe e vovô liam um livro, cada um em uma poltrona. Vovó estava na cozinha preparando meu almoço, depois de dispensar minha ajuda e a dos demais. Sulpicia, naquele momento, estava de pé atrás de mim, me assistindo desenhar. Porém, ela já havia assistido uma das partidas do jogo de papai e tia Alice e também assistira a um pedaço do jogo que passava na TV. Ela chegara, inclusive, a ler um livro. A rapidez fora tamanha que eu sabia que Sulpicia não havia processado a história, pois, até mesmo para um vampiro, ela terminara o enredo rápido demais. A mulher estava arrumando coisas com as quais se ocupar e manter a mente longe da falta de movimentação que acontecia em sua casa.
Então, a decisão foi tomada. Com uma breve troca de olhares, meus braços estavam cobertos de mãos geladas para acompanharem o que se desenrolava na mente de minha tia. Acompanhando a visão, ficou claro porque nenhuma resolução havia sido tomada até aquele momento.

Noite branca Where stories live. Discover now