Capítulo 60

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— Pai — Lorena sorriu, chorosa. — Eu nem sei por onde começar com o senhor, porque eu sei que não foram poucas as vezes em que eu te decepcionei.

Cícero, assim como Luana havia feito a princípio, encarou um canto qualquer da sala, como se temesse o olhar da própria filha, que estava próximo a ele.

— Ontem, eu me lembrei de quando o Bernardo era pequeno e ainda estava aprendendo a engatinhar — Riu, recordando-se daquele tempo. — E ele engatinhava todo errado... Mas, um dia, o senhor olhou para mim e falou: "Lori, você não pode deixar ele engatinhar assim.". Mas eu não sabia qual era a forma correta. Então o senhor parou tudo que estava fazendo e foi ensiná-lo a engatinhar. E, mais do que isso, foi o senhor que o ajudou a dar os primeiros passos.

Quase vencida pela vontade de chorar — pois, vinha fazendo um imenso esforço para se manter firme até então —, Lorena deixou que seu olhar caísse por um instante e confessou:

— Eu não sei porque me esqueci disso, pai. Em algum momento, eu fiquei tão cega pela raiva e pelas mágoas que eu guardava dentro de mim, que acabei criando essa fantasia de que o senhor é o pior pai do mundo. Mas não é verdade. Vamos discordar sobre uma coisa ou outra na vida, isso é normal. O senhor vai me chamar a atenção porque me ama e eu vou bater o pé porque eu sou teimosa. Mas... É só isso. Deveria ser só isso! Porém, parece que fomos longe demais. Eu fui longe demais. Então, exatamente por isso, eu quero pedir perdão para o senhor por todas as palavras desrespeitosas, por todas as desobediências e por todas as vezes que eu te decepcionei. E, assim como eu disse para a Luana, eu também quero falar para o senhor que eu estou disposta a deixar para trás toda desavença entre nós dois. Porque... Novamente, eu digo. Não estou sendo um bom exemplo para os meus filhos quando brigo e desrespeito o meu próprio pai na frente deles. Então me perdoa, pai! De verdade.

Novamente, o silêncio imperou na sala. Lorena, em pé diante de Cícero, procurava recuperar o fôlego, pois perdera-o enquanto falava, tamanho esforço fez para não chorar.

Então, ao cabo de alguns segundos, Cícero se levantou e fez com a filha o que ela havia feito com a irmã mais nova: aproximou-se dela e enxugou suas lágrimas — Lorena lutou e lutou, mas não conseguiu vencer o choro por completo.

— Minha filha, acho que sou eu que tenho que pedir perdão. Não apenas para você, mas para o Nando também.

Luís Fernando, parado perto de Raul e próximo a uma janela, descruzou os braços, surpreso, quando viu seu pai olhar em sua direção.

— Eu reconheço que eu fui um pouco cabeça dura, querendo controlar até mesmo a fé de vocês. É claro que eu tenho as minhas convicções e vou defendê-las, mas — voltou-se para Lorena — é como você disse, Lori, nós vamos discordar um vez ou outra, porém é apenas isso. Não precisamos derrubar a casa por causa de uma diferença de opinião. E eu sei que fui egoísta querendo obrigar vocês a enxergar o mundo da mesma maneira que eu enxergo. Não fui maduro o suficiente para lidar com o fato de que a gente cria os filhos para o mundo e não para nós mesmos.

Cícero segurou o rosto de Lorena gentilmente e beijou-lhe na testa, paternalmente, abraçando-a logo em seguida. Há muito tempo não faziam aquilo. As brigas eram tão constantes que não sobrava tempo para se lembrarem de que eram uma família e, portanto, o primeiro porto seguro para o qual se deve retornar quando a vida aperta.

— Eu te amo, filha — disse Cícero, desfazendo o abraço e olhando Lorena nos olhos para vê-la entregue às lágrimas.

Então se voltou outra vez para Luís Fernando e o chamou com um gesto. O mesmo fez com Luana.

— Às vezes, a gente esquece do amor que sentimos, — continuou Cícero, abraçado a todos os seus três filhos — principalmente, nos momentos de raiva, e acabamos machucando justamente aqueles a quem mais queremos bem. E, talvez, eu realmente tenha me esquecido por um instante o quanto vocês são importantes para mim. Cada um de vocês.

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A desavença tem um enorme poder para se alastrar, destruindo vidas e famílias inteiras. Porém, o amor e o perdão também são capazes de se espalharem, contagiando os corações sedentos pela paz. Pois, não há quem se deleite na guerra. Todos buscamos a harmonia e tranquilidade. O que nos falta, todavia, muita das vezes, é humildade para chegar diante do outro e reconhecer que erramos.

Lorena deu o passo que nunca achou que daria. Com muito esforço e motivada pelo desejo de fazer os seus filhos felizes — e, se possível encontrar ela mesma a sua própria felicidade —, Lorena deixou de lado o seu orgulho e reconheceu em voz alta onde foi que errou. Mais do que isto, decidiu abrir o seu coração, deixando voar para fora todas as mágoas e ressentimentos que mantinha lá dentro como pássaro preso em uma gaiola.

Raul tinha mesmo razão todas as vezes em que, pacientemente, lhe disse que, apesar de ser o caminho mais difícil, perdoar era sempre a melhor opção. A propósito daquele que mudou a sua vida quase sem querer, depois de pedir perdão para todos a quem reconhecia ter ferido um dia, incluindo seus filhos, Lorena achou por bem dá-lo os devidos créditos pela grande influência que teve em sua transformação.

— Você não é simplesmente um anjo que caiu do céu pra mim, Raul — disse Lorena, mais tarde, quando conversava a sós com o jovem rapaz. — Você é definitivamente o céu inteiro que despencou sobre esta pobre alma rancorosa, mostrando para ela que o melhor remédio para as feridas dela sempre esteve bem aqui e se chama perdão. Não sei o que seria de mim se eu nunca tivesse te conhecido.

— Certamente, Deus usaria de outro meio. Ele jamais ficaria sem realizar os Seus planos.

— Mas ele usou você. E que bom que foi assim! Porque não apenas aprendi a perdoar, como também conheci o amor da minha vida.

Raul sorriu com os olhos e deixou sobre os lábios de Lorena um beijo singelo antes de dizer:

— Você também é o amor da minha vida.

O Malabarista - ConcluídaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora