Capítulo 23

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  Sir Benjamin foi chamado às pressas de volta ao seu posto na Marinha. Com isso, aceitei passar alguns dias com minha mãe. A ausência do meu marido me causou algumas estranhezas e sentimentos confusos. Eu sabia que Sr. Thomas ainda estava na cidade, e seria o último a voltar para o posto, e soube que um evento familiar, muito importante, o prenderia em Londres por algum tempo. Desde o jantar até a volta para casa, eu havia decidido que não deixaria que sua presença me afetasse novamente, mesmo que meus sentimentos por ele se perpetuasse.

— Em que você está pensando tanto, desde que acordou? — Minha mãe pergunta, interrompendo meus devaneios.

— Sobre a partida da primavera. Logo estaremos aproveitando a temporada de temperaturas mais elevadas, mas por algum motivo curioso, Deus não permite que este lado se esquente tanto como outros lugares no mundo. Eu soube que no outro lado do oceano, há terras quentes o ano todo.

— Coisa estranha para se pensar. Você não pensa em seu marido?

— Claro que penso, minha mãe. Preciso pensar nele a cada viagem, e é aí que lembro das terras por onde ele passa.

— Compreendo. Eu só não sabia que você costumava pensar em coisas assim.

— O mundo é muito grande, mamãe. Tão grande que levaríamos anos para conhecer tudo, e ainda morreríamos sem conseguir completar a missão.

— Que horror, Beline. Pense em coisas mais alegres!

Ela fez uma careta e arrumou a gola de seu vestido de cetim azul-turquesa.

— Onde estão os garotos? — Perguntei pelos meus irmãos.

— Leo foi à biblioteca, e George, você sabe, ele insiste em vadiar por aí. Eu não sei mais o que fazer com esse garoto! Louis quer levá-lo para seu casarão, para que ele aprenda algum ofício antes de se alistar. Concordei, mas temo que George resolva se rebelar. Ele está a ponto de me enlouquecer.

— Corte os mimos, diminua a mesada dele. Só aumente em troca de comportamento positivo.

— Isso funcionaria com ele?

— Só saberá se tentar, mamãe.

— Louis e Leo nunca me deram trabalho algum, nem mesmo você, minha querida. Não sei a quem este caçula puxou.

— Deve ser apenas uma fase.

— Sim, é o que eu espero. A propósito, convidei o Sr. Thomas para jantar conosco. Eu o encontrei mais cedo, ele ainda está na cidade. Logo partirá para Londres.

— A senhora o convidou para o jantar? 

Eu não queria acreditar que, por mais que eu fugisse daquele homem, mais o universo o trazia de volta ao meu mundo.

— Sim, eu o convidei. Ele está hospedado na cidade, Arthur está ausente. Pensei que seria educado convidá-lo.

— Mamãe...

— O que foi? O que há de errado? Você o odeia tanto assim?

— De onde a senhora tirou que o odeio? Eu nunca disse isso.

— Então, qual é o problema?

— Nenhum, minha mãe. Deixe para lá.

Desisti de entender. Quanto mais eu me afastava dele, mais ele se aproximava. De um jeito ou de outro. Sempre acabávamos nos encontrando.

Mais tarde, com o jantar sendo preparado com muita dedicação da minha mãe, para que tudo saísse realmente perfeito, eu soube em última hora que Charlotte e a Sra. Watson também jantariam conosco, o que me deu um pouco de alívio. O Sr. Watson estaria num evento reservado somente para cavalheiros. Além de fazer companhia para a amiga de longa data, descobri que ela tramava juntar Charlotte e Sr. Thomas.

— Não pode juntá-los assim, mamãe.

— E por que não? Eles são solteiros e muito bonitos. Não vejo nada de mais em juntá-los. Às vezes, eles precisam de um empurrãozinho.

Não adiantava argumentar. Ela jamais entenderia, e sequer poderia saber a dimensão de tudo. Não sei o que ela pensaria de mim se soubesse meu coração pertencia ao Sr. Thomas, muito antes de eu me casar.

Nós os recebemos. Sr. Thomas chegou primeiro. O jantar foi servido sem demora, e nos reunimos na sala para uma xícara de café e leitura. A Sra. Watson era letrada e gostava muito de ler para um público familiar, e foi a chance dela fazer isso, já que seu marido sempre a interrompia quando estava presente.

A leitura seguia de uma poesia carregada de dor e saudade de um amor ausente, que as águas do mar levara para longe, enquanto a mulher amada o esperava no mirante ao lado do farol. Agora, os olhos de Sr. Thomas e os meus se cruzaram com tanta energia que era quase impossível disfarçarmos. Charlotte tentou me salvar dando alguns pigarros. Para a situação não chegar ao limite, eu me retirei da sala com a desculpa de não estar passando bem.

— Acredito que foi algo que comi... Perdoem-me. — Eu disse.

— Tudo bem, querida. — Dizia a Sra. Watson.

— Se me dão licença...

Todos permitiram a minha saída.

— Estimo melhoras, Sra. Halfenaked.

O som da sua voz ainda me perturbava e me causava calafrios em toda a minha espinha.

— Obrigada, Sr. Thomas.

Subi para o meu quarto em passos calmos, mas eu queria correr e chegar o mais rápido que podia.

Fechei a porta e me encostei nela, caindo ao chão. Estava em choque, pois aquele homem ainda me afetava e tinha um poder gigantesco sobre mim. Ele me desestabilizava em questão de segundos. 

Na despedida, eu desci para cumprimentá-los. Charlotte me abraçou e prometeu me tirar de casa para passear pela cidade. O Sr. Thomas saiu por último, e sem dizer muita coisa, me passou um bilhete quando beijava o dorso da minha mão. Eu o vi desaparecer pela rua, me dando conta da aventura para a qual estava sendo convidada.

Voltei para o quarto e abri o bilhete.

" Preciso falar com você. Encontre-me no fim da rua Bleure quando as luzes se apagarem.

Do sempre seu.

T. L."

Tudo o que consegui pensar era "o quê?". Por mais que estivesse inclinada a não aceitar o convite forasteiro dele, comecei a pensar que talvez fosse o momento para fechar aquele capítulo entre nós. 

BelineWhere stories live. Discover now