Capítulo 31

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  A casa era menor e mais simples. Lembrava um desses pequenos chalés do alto de uma montanha, mas era maior do que uma. Sr. Thomas parecia mais feliz e aliviado. Sorria tanto que parecia que moraria ali também. Estava bastante empolgado com as pequenas mudanças. Aquele ar de preocupação desaparecera como num passe de mágica.

— O que acha? — Ele perguntou, olhando em sua volta.

— Gostei. É tranquilo e aconchegante.

— Gosto daqui também. Costumava me refugiar, escapar ou até mesmo fugir dos problemas, vindo para cá. Principalmente quando não queria ser encontrado.

— O senhor não parece ser o tipo de cavalheiro que foge.

— Não fujo de quase nada na minha vida. Às vezes, há situações que me obriga a me isolar. Só assim consigo alguma paz e solucionar os problemas.

— Quero mais uma vez lhe agradecer por tudo, Sr. Thomas.

— Sou eu quem deveria estar grato. Tê-la em segurança é a minha prioridade. Poderá ter o bebê aqui, e criá-la, se assim desejar.

Agradeci-o mais uma vez.

Com a casa pronta, preparamos um banquete para recarregar as energias. Muitos dos criados ainda ficaram no casarão, e Sr. Thomas disse que os enviaria para a nova casa, percebendo que eu havia me apegado a muitos deles.

No dia seguinte, Sr. Thomas partiu e um novo médico chegou. Ele foi designado pelo Sr. Thomas para passar os próximos meses conosco, residindo na casa ao lado, com outros criados, mas fiz questão que ele ficasse na minha. Com um pouco de resistência, acabou aceitando. É um senhor de meia-idade, na casa dos seus cinquenta e poucos anos. O Dr. Zachary Johnson era um homem bastante peculiar, com sua mania de limpeza e requinte de perfeição em tudo o que fazia.

— É um bom lugar, senhora! — Exclamou, olhando para o vale verde.

— É bastante isolado, doutor. Não sentirá falta da cidade grande?

— De jeito algum. Eu sempre quis morar no campo, mas minha esposa era teimosa e adorava a agitação da cidade. Ela morreu antes que eu conseguisse convencê-la.

— Sinto muito.

— A minha redenção foi meu filho ter se casado e ido para o campo com a esposa e seus três filhos.

— Que bom.

— O Sr. Thomas tem muita estima pela senhora. Imagino que vocês tenham uma relação de afeto mútuo, ou ele não faria tudo isso... Eu o conheço desde que era um bebê.

— Não acredito.

— É verdade. Conheci seus pais em Londres, ele era um garotinho rechonchudo. Eu o peguei algumas vezes no colo e o examinava em meu primeiro consultório. Acompanhei boa parte da vida dele.

— Então o senhor o conhece bem.

— O bastante para perceber que ele é um homem apaixonado.

Ele me encarou rapidamente e voltou a olhar para o vale, admirando a vista com os olhos cheios de satisfação.

Em poucos dias, choveu forte na região. Não conseguimos sair de casa, apenas olhar para fora pela janela esperando o tempo melhorar. Ao lado das duas residências, fica o lago, que transbordara com a água da chuva, quase alcançando o nível da ponte que levava para o outro lado do campo e para a floresta densa e selvagem.

— É uma chuva abençoada, mas por Deus, não nos deixe ilhados. — Suplicou Dr. Johnson, olhando para a chuva torrencial. 

— O outono está próximo. Julgo que teremos um período de seca. — Comentei.

— Então, que Deus abençoe essas terras!

Foram cerca de cinco dias de chuvas contínuas, e o sol finalmente deu as caras, abrindo o tempo e o sorriso em nossos rostos. As criadas aproveitaram para lavar as roupas e limpar tudo o que precisavam, enquanto Dr. Johnson e eu andamos pelo campo e falamos de assuntos aleatórios. Ele tinha um vasto conhecimento sobre ervas e curas alternativas. Ensinou-me sobre alguns medicamentos psicóticos e seus usos na medicina, passando também a me alertar sobre algumas plantas que eu não poderiam ser usadas para fazer chá durante a minha gravidez.

— Uma planta dessa, pode ser perigoso para a senhora, e à criança. 

— Obrigada por alertar, doutor.

— Disponha, minha querida.

Ele gostava de passar horas vagando pelo vale e, às vezes,  se sentava na posição de meditação. Disse que aprendeu há alguns anos a silenciar a sua voz interior, e buscar a paz. Contou-me que a morte de sua esposa o atormentou por muito tempo, por não ter estado presente no momento em que a vida dela entrou em perigo e deixou este mundo. Percebi que o campo era o onde ele podia se refugiar da dor que ainda sentia.

— Eu não sei a sua história com Sr. Thomas, mas percebo que vocês compartilham de um mesmo sentimento. Tudo que sei, é que a senhora foi casada e agora está grávida.

— Meu marido é um libertino, fugiu com outra mulher enquanto eu o esperava voltar para casa. Sumiu antes que soubéssemos o que estava acontecendo. Quando descobri estar grávida... Achei melhor não revelar a ninguém. Essa história toda gerou um caos em minha cidade, alastrando boados maldosos a meu respeito e de Sr. Thomas. Se souberem que estou grávida, a imagem do homem que tanto me protege será ainda mais afetada.

— A senhora está protegendo-o.

— É o mínimo que posso fazer por ele, doutor.

— E esse sentimento, essa paixão que sentem um pelo outro?

— Estávamos apaixonados muito antes de eu me casar... Por impulso, aceitei me casar com sir Benjamin, por ter o coração partido por Sr. Thomas, que me rejeitou quando me declarei. Eu... não busquei compreendê-lo na época, e este foi o resultado.

— Agora, sim, faz todo o sentido.

— Mesmo com tudo, Sr. Thomas e eu não conseguimos nos afastar. Quanto mais tentávamos, mais nos aproximávamos.

— Isso é o que chamo de atração mútua. Os sentimentos de vocês devem ser muito fortes para não conseguirem se afastar de uma vez por todas.

— Minha vida está uma bagunça, doutor. Não sou mais digna dos sentimentos românticos de Sr. Thomas.

— Não pense assim. Se não fosse, ele não a ajudaria até aqui. Ele pode estar se sentindo culpado.

— Que culpa ele teria?

— A senhora disse que ele a rejeitou.

— Sim, mas ele tinha razões fortes para isso.

— Certamente. Mas Sr. Thomas é um homem que levou sempre  a própria palavra a sério. Isso vem muito de seu pai, o Sr. Lancaster, sendo um homem rígido. Nunca deu folga aos filhos na educação deles.

— Onde o senhor quer chegar?

— Que o homem que a senhora ama nunca fugiu das regras patriarcais, até conhecê-la.

— Eu não sei o que dizer, doutor.

— Não precisa dizer nada, querida.   

BelineWhere stories live. Discover now