Capítulo 27

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De volta à Bournemouth, decidi esperar por sir Benjamin. Eu havia pensado muito em tudo o que Sr. Thomas me disse no casamento de Charlotte e Sr. Garret. Tudo me levava a crer que meu marido pudesse estar nos testando. A mim, principalmente.

Dias depois, recebi uma carta endereçada a mim. Era do capitão que precedia o posto de Sir Benjamin, solicitando o envio de uma declaração de ausencia do meu marido. Com palavras confusas que eu nada entendia, pedi que buscassem Sr. Thomas para me orientar. Este, chegou dois dias depois.

— Então, o que eles querem? — Questionei.

— É uma declaração da senhora...

— Uma declaração?

— Declarar que seu marido está... morto.

— Como posso declará-lo morto se não há corpo? Isso não está certo!

— Eles tiveram que parar a busca por seu marido. Não encontraram nem sequer pistas novas. Eu os entendo.

— Mas não posso declarar meu marido morto. Não farei isso!

— Sei que tudo isto é doloroso e confuso. Mas entenda, que essa declaração é para impedir que seu marido seja preso, caso aparecesse.

— Como ele ainda pode ser preso? 

— Ele deixou o posto sem aviso. Tinha responsabilidades. Dependiam dele para missões importantes. A sua declaração é para salvá-lo!

Reservei-me a pensar um pouco antes de continuarmos a conversa. Contudo, eu não tinha coragem de assinar um documento declarando meu marido morto, e podia gerar revolta nas nossas famílias.

— Envie a declaração, eu explicarei aos outros o motivo. — Sr. Thomas insistiu.

— Eu não consigo...

— Permita-se a dar um tempo, mas precisa fazer isso. Ou sir Benjamin estará em risco de ser preso e até acusado de traição à coroa.

— Está bem. Pensarei um pouco e... resolverei isso com calma.

— Faça isso.

Convidei-o a pernoitar no casarão. Ele aproveitou para visitar o pomar e se atualizar com os feitos da fazenda. Dava para ver que ele sentia falta do lugar que já lhe pertenceu.

Durante o jantar, estávamos silenciosos e pensativos. A questão da declaração estava me atormentando, e acredito que ao Sr. Thomas também.

— Sente falta desta casa? — Puxei assunto, para me distrair das minhas próprias preocupações.

— Sim, não nego. Mas fico feliz que a senhora esteja cuidando tão bem dela. É sua casa agora.

— Posso saber porque o senhor a deu para nós?

— Eu ficava muito sozinho. Raramente recebia visitas, e pretendia passar um bom tempo fora. Além disso, eu pretendia me casar e formar uma família aqui.

— Fico grata.

— E eu, honrado.

— Pensei que o senhor demoraria para voltar desta vez... que retornou ao posto.

— Era a minha intenção passar alguns anos fora. Mas, com tudo o que anda acontecendo, fui designado a sair em busca do meu amigo. Com a busca sendo encerrada como foi, eu voltarei aos meus planos.

— Então planeja voltar e... passar anos fora?

— A menos que algo mude meus planos, senhora...

Ele me encarou. Eu sabia onde ele queria chegar.

Fomos para a saleta após o jantar. Eu decidi tocar piano, enquanto ele me acompanhava com o olhar. A cada nota, um suspiro seu. A cada inclinação minha, uma reação sua. Era uma questão de tempo para me entregar, por isso era um jogo perigoso permanecer na sua presença por mais tempo ficando tão a sós com ele.

— A senhora toca lindamente bem. — Diz.

— Obrigada, Sr. Thomas.

— Minha irmã também tocava.

— Irmã? Não sabia que o senhor tinha uma.

— Ela faleceu há alguns anos...

— Sinto muito, eu realmente não sabia.

— Tudo bem. Ela se chamava Alice. Morreu com apenas quinze anos, com uma doença que ainda é um mistério. Ficou debilitada por algum tempo, depois partiu... Minha mãe ficou desolada. Ela não aceitava a morte da filha. Já meu pai, ele mudou muito depois disso.

— O senhor não se dá muito bem com ele, não é?

— Meu pai não é um homem ruim. Ele teve duras perdas e viu coisas, as quais ele daria tudo o que tem para esquecer. Não o leve para o lado pessoal. Tenho um relacionamento de altos e baixos com ele, mas o respeito muito.

— Agora eu me sinto mal pelo meu encontro com ele em Londres.

— Fiquei grato, a senhora me defendeu...

— É... Fui impulsiva. Sinto-me mal agora.

— Tudo bem. Meu pai não é de guardar rancor ou de remoer coisas assim. No entanto, ele ficou curioso sobre nós.

Parei de tocar e olhei para ele, interessada em saber mais sobre isso.

— O que você disse-lhe?

— Que eu não poderia... assumir uma proposta naquele momento. Deixei claro que meus sentimentos eram genuínos.

— Seu pai teme que o senhor passe pela mesma coisa...

— É, ele acredita que teve razão o tempo todo, e desacredita nas minhas decisões pessoais.

— O que faz seu pai lhe cobrar tanto?

— Eu fui um pouco libertino no passado, do tipo aventureiro e dei muitas dores de cabeça a ele. Quando decidi ficar com aquela... mulher, precisei provar-lhe que amadureci o suficiente. Mas não se deu por satisfeito. Para ele aceitá-la, eu precisava ganhar o seu respeito. Por isso fui para o exército, para honrar o meu nome e o dela.

— É uma história bonita, mesmo com um final triste.

— Não era para ser, é simples.

— A gente nunca sabe para o que estamos destinados, Sr. Thomas. Estamos em contantes necessidades de escolhas.

— No nosso caso, não foi escolha. Não tudo.

— Não precisamos falar sobre isso.

— Perdoe-me. — Sua expressão era de tristeza — Quando eu a vi, pela primeira vez, a senhora arrancou a minha atenção de tal maneira, que a observava muito antes de estar naquela moita.

Lembrei-me dos momentos embaraçosos dos nossos primeiros encontros.

— Foi constrangedor... — Desabafei.

— Só um pouco.

Ele sorriu, pela primeira vez em muito tempo.

— Pensar nisso tudo me faz refletir.

— Sobre nós? — Ele quis saber, com uma luz de esperança em seu olhar.

— É, sobre nós.

Voltei a tocar as notas melancólicas e suaves, para uma noite chuvosa e fria. Com ele ao meu lado, me observando, era tudo o que eu poderia ter do Sr. Thomas. Nem um pedaço a mais, nem um passo além do limite. Éramos os amantes mais solitários naquele momento, porque era tudo o que tínhamos e podíamos oferecer ao outro. 

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