Diciannove

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Doha, Qatar, dezembro de 2022

Copa do mundo. Era a minha segunda sendo namorada e a primeira sendo esposa de jogador, e novamente essa era uma sensação que nunca saberei explicar. Na verdade, não só eu, ninguém que vive a copa do mundo sabe explicar. Na minha última copa do mundo apenas Mahina existia, dessa vez eu tinha Enrico e nossa família estava em constante expansão.

Novamente, a família de Marquinhos estava toda no Qatar. Era quartas de final e o Brasil, que já tinha vencido e eliminado a Coreia do Sul, iria jogar contra a Croácia. Por mais habilidoso que o time brasileiro fosse, os croatas também tinham habilidade e sabíamos que não seria um jogo fácil. Liguei para Marquinhos horas antes de começar o jogo para desejar boa sorte e sai com as crianças para o estádio.

Como já era de costume, o dia estava ensolarado e quente no Qatar, o tempo que andamos até o ônibus que nos levaria até o estádio foi como se estivéssemos derretendo. Fiorella e seus três filhos Helena, Matteo e Rafael estavam comigo. Meus sogros e cunhados também. Nosso grupo era tão grande que apenas um ônibus coube todos.

Assim que o ônibus que nos transportou parou em frente ao estádio senti meu coração acelerar. Era a hora da verdade, a hora decisiva. O Brasil precisava ganhar aquele jogo, caso contrário estava fora da copa e, mais uma vez, o sonho do hexa iria ficar para a próxima. O grito que vinha sendo guardado há tantos anos estava implorando para sair, queria ter sua liberdade e mostrar aos quatros cantos do mundo o quão grande era o Brasil e por algum tempo pensamos que finalmente iríamos o soltar.

O hino nacional terminou, o jogo começou e ali vimos que não seria uma partida fácil. Em algum tempo a Croácia fez um gol e logo depois o Brasil também fez e o jogo permaneceu assim. Meu coração estava prestes a sair pela boca quando o juiz decretou pênaltis, quis voltar no tempo, quis que o Brasil tivesse feito outro gol mas aquela era a realidade. Todos nós sabíamos o quão difícil seriam os pênaltis com um time exausto após um jogo tão complicado mas ainda tínhamos fé.

Erramos alguns e acertamos outros até que chegou a hora do último pênalti ser batido e o batedor escolhido foi Marquinhos. Meu corpo se arrepiou, minhas mãos gelaram e meus olhos não desviava do campo. O juiz apitou e quando vi a bola saindo pelo canto e Marquinhos desabando no chão, eu soube exatamente o que ele estava sentindo. Novamente experimentei o sentimento de querer pular dentro do campo e ir abraçar ele, mostrar que os melhores também erram e que ele teria outras oportunidades para mostrar seu talento ao mundo, mas não pude.

Quis gritar, quis brigar, quis espernear mas tudo que consegui fazer foi sentar e esperar que as lágrimas escorressem pelo meu rosto. Meu coração estava partido não só por ter perdido o hexa mas sim por entender e dividir a mesma dor com Marquinhos. E aquela era a pior sensação do mundo. Novamente me vi paralisada, calada e quieta, coisa que eu definitivamente não era.

Me permiti chorar e sentir tudo que aquele dia triste me trouxe e depois de muitas horas, aquela dor ainda insistia em martelar no meu peito. Quando iria passar? Eu não sabia, na verdade eu não sabia nem se iria passar, apenas tinha fé. Não sabia em quê, mas tinha fé. E aquilo bastava.

Quando finalmente Marquinhos foi liberado eu corri para seus braços e o abracei como nunca, choramos um no braço do outro e entendemos o real significado do "na alegria ou na tristeza" que dizemos ainda no altar. Éramos um só e estávamos dividindo a mesma dor, eu esperava que fosse assim. Queria ajudar ele, queria que aquela dor pudesse ser apenas esquecida ou que aquela ferida fechasse, mas seria mais difícil do que eu pensava, por isso o que me restava era ser o abraço acolhedor que ele precisava naquele momento de dor, mágoa e de frustração.

Nós iríamos dar a volta por cima mas agora precisávamos chorar, entender tal situação e colocar cada coisinha em seu lugar, afinal estávamos no meio a uma bagunça de sentimentos, acontecimentos e pessoas.

Maktub • Marquinhos ✅️Onde histórias criam vida. Descubra agora