A GAROTA QUE QUERIA TER TUDO

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São Paulo, março de 1996

— Bom dia, filhota! Feliz aniversário! — Se deitou na cama estreita e apertou contra o peito a garota rechonchuda.

— Aniversário na quinta-feira... ninguém merece! — resmungou Olívia com voz melosa se ajeitando no abraço da mãe —. Está chovendo?

— Só garoando. Sem desânimo, hoje é dia de festa! É o seu dia, e tem aquela excursão que você tanto queria.

A lembrança do passeio da escola fez o humor da garota mudar. Com um salto saiu da cama quente, enquanto a mãe se acomodava no espaço deixado pela filha, cobrindo a cabeça para proteger os olhos da luz que sabia que acenderia em segundos. Se arrumar à meia luz, e com o mínimo barulho era tarefa impossível para Olívia, espaçosa e desastrada. Ou como ela mesma dizia, tinha a delicadeza de um hipopótamo em uma cristaleira.

— Já passei seu uniforme. Se apressa, senão não vai dar tempo de tomar café!

Olívia olhou impotente na direção da cadeira onde o uniforme azul marinho a esperava. O drama da vida escolar. Enquanto as coleguinhas usavam calça, ela com suas pernas longas e roliças, era obrigada a usar saia. "— Mulher tem que usar roupa de mulher, homem usa roupa de homem — dizia o pai — Imagina o que a irmandade vai dizer ao ver você vestida com roupa de homem?!". Olívia revirava os olhos, não fazia sentido para ela, conduzir sua vida baseadas no que os outros achavam certo. "— Pai, com o mundo desse tamanho, Deus não tem mais o que fazer que controlar como eu me visto?", questionava divertida. O pai, com rigidez de militar, doutrinava: "— A obediência vai na frente da honra. Você não quer ir para o céu?". A adolescente reflete por um momento e chega à uma conclusão que o colocava em saia-justa: "— Se Deus é pai, ele me ama e vai me querer no céu perto dele!".

— Seu pai anda preocupado com as coisas que você está lendo. Disse que você está ficando muito respondona — comentou a mãe, sonolenta.

— Ué, ele não quer que eu estude para conseguir um bom emprego? — sorriu com malicia. Sabia o que queriam dizer, que ela deveria ler para ser inteligente o bastante para conseguir um bom trabalho, mas não tão inteligente para questionar o sistema.
— Não se faça de desentendida, menina! — O sorriso terno que deu em seguida, descredibilizou a tentativa de ser severa. — A que horas você acha que volta da excursão? Tenho que avisar seus tios a hora da sua festa. As sete você já está de volta né?

— Nem ideia. É a primeira vez que vou numa exposição de arte. Tem tanta coisa aí fora que a gente nem imagina né? — A pergunta poderia ter sido tanto para a mãe, quanto para ela mesma.

Diante do espelho domava os cachos com creme colorido com cheiro de chiclete. Húmidos eles encostavam no pescoço quente dele, que se arrepiou e pegou uma jaqueta.

— Oli, toma juízo meu amor. Por que não faz igual às outras mocinhas da igreja da sua idade? Ir às reuniões de jovens, conhecer algum moço bom, se preparar para ter uma família...

—E se eu não for como as outras moças da igreja, e se eu quiser viajar e viver aventuras, e ter uma família só depois. Vocês vão deixar de me amar?

A mãe se levantou e a envolveu em um abraço. Desses que protegem e dão força ao mesmo tempo. Era tão apaixonada por aquela filha, que suspeitava ter perdido a oportunidade de colocar limites à natureza caprichosa da caçula.

— Você é a sementinha do nosso amor, eu e seu pai vamos te amar até o infinito e para sempre. A gente vai ficar muito triste de ver você infeliz se escolher um caminho errado. Cuidado com a imaginação. A solidão é horrível, não importa o quanto de dinheiro que se tenha.

A RESPOSTA DE ALINA ( CONCLUÍDO)Kde žijí příběhy. Začni objevovat