Ele se vai o sol se poe

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Sant Gervasi, agosto de 2021


A luz enxerida do sol ultrapassando as frestas das persianas gritavam que o dia já havia começado. Outro verão havia chegado. Ainda de olhos fechados, Olívia desejou fosse um pesadelo. Acordaria na cobertura de Sarriá com ar-condicionado. Acordar, dizem, é transformador. Ultimamente Olívia preferia a palavra tortuosa para definir aquele momento em que precisava se levantar e enfrentar a vida que restara.

Onde estavam as mensagens de "Bom dia" de Gerard? Dependia delas para confiar que o dia seria bom mesmo.

Os dias depois da despedida deles, transcorreram borrados. Alguém simplesmente apertou o botão 'avançar' do controle remoto da vida e o tempo escoou com ela mergulhada na abstinência de Gerard. Na primeira manhã sem as mensagens de Gerard, Olívia passou firme. Três dias depois se viu esperançosa. Ele escreveria a qualquer momento. Duas semanas mais tarde, vigiava o celular com olhos lânguidos se perguntando: "Será que ele não gosta de mim?", até que, passado um mês, indignada se perguntava: "Como que ele não gosta de mim?!". A ausência dele mostrou o quanto presente ele era na casa dela. Bastava sentir o cheiro do amaciante de roupas, o mesmo que ele usava, abrir o armário, que ele montou, ou fazer uma simples tapioca. Tudo era motivo para Olívia pegar o celular e questionar os próprios valores.

Fez o que pôde para não cair na tentação de retomar o contato com ele. Apagou número de telefone, a rede social. A matrícula no DRI, cancelada e duas novas foram feitas: uma em um club de boxe e outra em uma academia especializada em aulas de spinning; esta última por influência de Mia. Alguns seguidores dela treinavam lá. O pão com tomate, banido para sempre da mesa dela, e um seguro para casa que incluía serviços de manutenção foi contratado.

— Até que enfim, Senhorita Olívia! Não tem vergonha não, a gente marca na esquina da sua casa e chega atrasada, mocinha?

Cecília, sentada ao lado de Ivy numa das mesinhas de madeira do lado de fora do Café Turó, a repreendeu.

— Me desculpem! — Olívia ofegante, pendurou a bolsa e distribuiu um beijo na bochecha de cada uma. — Já pediram?

Bienvenidas chicas guapas! O que vão querer? — perguntou Arnau chegando justo quando Olívia se sentava.

Agora sem máscara, podiam ver seu rosto de tio bonachão.

— Duas claras e patatas bravas. Você vai pedir o que Oli?— Ivy olhava para ela como se tivesse perguntado algo muito sério.


— De onde tu vem? — Cecília curiosa.
— Aula. Arte catalana — respondeu, se abanando —, para mim Arnau, um vermut e gilda de sardinhas defumadas, por favor.

— Essa aí já não pára em casa! — informou Ivy.

Cabeça ocupada, menos espaços vazios deixamos por Gerard.

— Vou ao banheiro, um minuto e já volto — disse Olívia.

Precisava de alguns minutos sozinha. Era a primeira vez que se reuniam desde o término com Gerard. Não estava preparada para os olhares recriminatórios da Santa Inquisição. Bastou colocar um pé naquele bistrô para as lembranças de Gerard assaltarem a coragem dela.

Dentro do banheiro passando o trinco na porta de madeira negra. Fechou os olhos, respirando profundamente e soltando em três tempos.

— Onde você estava com a cabeça para deixar Dubai, e vir para Barcelona, Olívia?

Ao abrir os olhos, viu refletida no espelho, iluminada por uma pequena lâmpada a mover os lábios sem dizer nada, a menina que acreditou que podia ter tudo, que correu cegamente rumo ao pote de ouro no fim do arco-íris e se perdeu no caminho.

A RESPOSTA DE ALINA ( CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now