A RESPOSTA DE ALINA ( CONCLUÍDO)

A VOLTA CATALANA

Voltar [verbo intransitivo]: regressar; mudar de posição ou direção; retomar.

Sagrada Família, janeiro de 2019

"O avião fica no alto porque não tem tempo para cair".

Dizia a frase de Orville Wright, escrito no post it amarelo pendurado no computador de de Gerard. Que tateou os dedos na mesa de madeira. "Fazer o que devo ou o que quero?", e depois de pensar um pouco pegou o celular.

"Vou passar no hospital para visitar meu pai. Chego tarde.". escreveu e enviou, à namorada, Patrícia. Se certificou de trancar bem a porta do antiquado escritório de contabilidade. "O que me falta: esses okupas invadirem esse escritório velho! ", pensou ele caminhando para o elevador "Só nesse país de merda, para ter esse tipo de lei que protege delinquentes!". Mal as portas do apertado elevador se fecharam, ele deu a volta para se admirar no espelho. Os trinta e seis anos de idade lhe caíam muito bem. A pele de um jovem de vinte anos, o sorriso branco e alinhado; e o corpo atlético, graças aos circuitos em bicicleta pela montanha de Collserola que fazia religiosamente aos fins de semana. Rotina que havia mudado desde que o pai foi internado por causa de um infarto.

Gerard dizia que já chegou no mundo com obrigações: salvar o matrimonio de Montse, sua mãe, do ostracismo, e chegar aonde as pernas de Jaume, o pai, não chegaram. O progenitor de Gerard, no passado quis fazer uma vida fora da Espanha. Porém, num desses movimentos do destino, ao lançar a moeda para o alto e escolher cara (ficar em Barcelona) ou coroa (se aventurar pelo mundo), para Jaume saiu cara e o futuro que o esperava era anos trabalhando na mesma empresa, e ao lado de Montse trariam ao mundo Gerard e Laia, e constituiriam uma família dessas onde tudo funciona bem desde que nenhum membro dela fizesse perguntas demais. E ninguém fazia. E o garoto foi crescendo, proporcionalmente ao desapontamento dos pais. Não que ele fosse uma criança difícil, o contrário, era até suspeitosamente obediente e quieto. O problema era por melhor que fizesse, Gerard nunca estava à altura do esperado. E seu pai tinha uma maneira peculiar de lidar com os fracassos do filho: com o desprezo. A mãe por seu lado, fingia que os problemas não existiam até que eles deixassem de existir.

A visita não tardou nem meia hora. Depois de conversarem sobre o clima e a vida de algum parente, ficaram retidos naqueles momentos incômodos que se compartilha com pessoas cujo nível de intimidade não dá muito assunto sobre o que falar, Gerard se despediu dizendo que Patrícia deveria estar para chegar em casa, e ele era quem prepararia o jantar.

— A senhora quer que eu que te acompanhe para casa, mãe?
—Tenho que passar no supermercado. Você me ajuda?

Montse não tinhas dúvidas que o filho exemplar a acompanharia. Ele valia cada elogio que proclamava orgulhosa à vizinhança.

— Sinto muito por sua viagem cancelada, filho. — disse com pesar, se apoiando no braço do filho ao descer as escadas de saída do hospital.

— No pasa nada. — respondeu, dando um sorriso conformado. — Tenho que ficar aqui perto de vocês.

Gerard e Patrícia estavam de malas prontas para viver uma temporada, na Irlanda. Ideia bem aceita pela família e amigos de ambos, quando Gerard, com pesar, comentou discretamente, na ausência dela, que namorada estava dando sinais de desequilíbrio psicológico e, portanto, uma mudança de ares faria bem para ela.

Com o problema de saúde do pai, portanto os planos foram postergados. Gerard estava em uma fase muito difícil. Os fins de tarde no hospital tiveram um efeito de estilingue em Gerard e o lançou rumo à uma obsessão por mudar sua vida: não podia aceitar ser a versão millenial do pai. Gerard montou uma lista com as caixinhas que precisavam ser preenchidas para alcançar o seu objetivo. Arquitetou tudo com uma perfeição nos detalhes de fazer inveja à Gaudí e alguns meses depois, Gerard entrava pelas portas da Nocla, uma importante multinacional sueca do setor farmacêutico.