SURREALISMOS À PARTE

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"Objetos de desejo, Surrealismo e Desenho", era o que dizia o prospecto digital do evento. Objetos criados pensando não apenas em seu funcionalismo, mas que podiam ser um alto falante do nosso subconsciente (...)".

— Boa sacada. No ano seguinte à quarentena, uma exposição sobre como objetos do cotidiano impactaram as obras de artistas do surrealismo.

Gerard entrava na galeria montada numa grande sala com altas paredes brancas e chão de azulejo escuro. "O velho truque de deixar escuro todo um espaço e colocar luz apenas no que se deseja destacar".

O evento realizado pela Fundação do principal banco da cidade, no Macba, tinha como objetivo financiar projetos de educação em comunidades carentes no sul da Espanha. A Nocla, patrocinadora do evento, comprou ingressos para presentear clientes e funcionários destaques daquele semestre. E os últimos seis meses de Gerard haviam sido bastante prósperos. Embora a vida conjugal patinava. Se por um lado era idolatrado por Alina, como nunca antes uma mulher havia feito, exceto a própria mãe. Por outro lado, era sufocante. Alina dependia dele vinte quatro horas do dia. Não falava espanhol, não tinha ninguém na cidade além da família dele, seus amigos e suas namoradas; por trabalhar de casa também não tinha colegas de trabalho. Seu mundo era a vida com Gerard na cobertura em Sagrada Família, que se mostrava bastante monótona e Gerard já não conseguia controlar as atitudes irritadiças de criança entediada dela.

Ele, apertou os maxilares. Tudo era tão diferente com Olívia. Se pelo menos pudesse entrar em contato com ela. Mas a brasileira havia dito para que ele não a procurasse mais. "Com certeza ela amaria essa exposição!".

Um trabalho incrível. As obras expostas de uma maneira, que contavam uma história, e a cada passo, ele se sentia mais envolvido. Parou diante de um quadro curioso: a pintura que retratava um senhor de terno, gravata e cartola, saindo de uma casa e descendo por uma escada. Havia uma janela no fundo onde se via um rosto que o observava, porém quem descia as escadas não era o senhor, e sim sua sombra. "El fenômeno - Remédios Varo", dizia a placa ao lado do quadro. Gerard buscou o celular no bolso da calça e escaneou o código QR ao lado do quadro:

"A sombra, o nosso outro eu, esconde uma identidade própria, diferente da que costumamos mostrar. Trata-se da rebelião do eu interior que rompe com a imagem externa. É a divisão de um personagem em dois, mas também é um truque visual. Qual das duas figuras é realmente a sombra?"

Voltou a olhar o quadro enquanto metia o celular no bolso, algo do outro lado de uma parede com nichos preenchidos por vasos de vidro, chamou sua atenção: deslizando lentamente entre as altas colunas brancas, usando um vestido de cetim cor de pérola, na altura dos joelhos, cujas mangas tremulavam suaves ao mover os braços estava ela, Olívia.

Alheia à sua presença, parou diante de uma mesa estreita, coberta por um veludo vermelho onde estava disposta uma máscara, protegida por uma caixa de vidro. Um holofote de leve luz amarelada, posicionado acima delas fazia com o que Gerard as visse exóticas e inatingíveis.

A pele cor de canela bronzeada. Cecília deveria ter vencido sua resistência e agora Olivia ia mais vezes à praia. Os olhos ainda mais puxados, como uma oriental, por conta dos cabelos bem estirados presos em um coque na nuca. Encantadora.

Ele pegou outra vez o celular para consultar o prospecto do evento. Museália era a produtora do evento! Deveria ter imaginado. Só uma contadora de histórias como Olívia seria capaz de fazer uma exposição como aquela.

"O que fazer: o que queria ou o que deveria?", olhava para ela com a testa franzida pela indecisão.

— Gerard, está tudo bem? Está falando sozinho? Nós estamos indo para outra sala, você vem? — perguntou Nuria, a companheira de trabalho que o acompanhava.

A RESPOSTA DE ALINA ( CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now