A NOVA NORMALIDADE

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Bairro da Gràcia, outubro 2020

— De conversas com filho de presidente dos Estados Unidos à zeladora da imaginação de alguém. Se percebe que minha carreira vai de vento em popa, Olívia...

Ela dizia para si mesma deslizando o pincel sobre o chapéu em gesso da estátua que preparava para guardar. "Só espero que esse trabalho não seja perda de tempo", sacudiu a cabeça. Teria que esperar que a "nova normalidade" estivesse totalmente em vigor, e voltassem as exposições para saber.

A nova normalidade foi uma fase polêmica em que a liberdade das pessoas era controlada de acordo com as ondas de contágios do coronavírus: mais gente no hospital, menos liberdade tinham os que estavam fora dele. O teletrabalho passou de ser obrigatório a opcional. Para Olívia, essa mudança não influenciou em nada. Todos os dias caminhava vinte minutos até o bairro da Gràcia para cuidar das peças que assim, como ela, estava com a existência em pausa esperando tudo voltar ao normal.

Uma ânsia fez com que seu estômago se contraísse. Uma nuvem cinza pareceu se instalar sobre sua cabeça e instantaneamente o coração se apertou. Seus olhos se encheram de lágrimas. "Olivia, tudo está dando certo... De onde vem esse desalento? Essa vontade de chorar?", se questionava. A sensação era parecida com a que sentiu no velório do avô. Exceto pelo fato de que esta vez, não havia ninguém morto.

Antes que as imagens se sentindo começassem a povoar sua cabeça, e as lágrimas embaçarem os olhos, deixou o pincel sobre a mesa, colocou as mãos nos bolsos do avental azul e se aproximou das janelas. Não sabia o que era aquilo, mas já entendia como fazer para que fosse embora. Ficou olhando o mar, esperando que sua placidez ao redor da fervilhante Barcelona, a acalmasse.

— Oh, de casa!

A voz de trovão Cecília ecoou pelos corredores apinhados de plástico bolha, caixas e gesso.

— Como você subiu? E é assim, deixam entrar qualquer um?

Olívia brincou, sorrindo sarcástica. Se levantou da bancada em que estava se livrando das luvas de látex azul e dos óculos de proteção.

— Não vi ninguém na portaria. — Cecília sacudiu os ombros.

Havia duas portarias no prédio em que Olívia trabalhava. Com a Covid-19 demitiriam o outro porteiro, e um senhor sozinho se revezava para atender as duas.

— Fui entregar curriculum em alguns restaurantes. Estou apelando. Trabalho é trabalho! Na volta percebi que esqueci minhas chaves dentro de casa e vim pegar as suas!

Cecília falou, já sem olhar para Olívia. Sua atenção foi capturada pelo quadro da artista catalana Maria Blanchard.

— "Mirradinha, com seu cabelo castanho despenteado e voador, com seu olhar de menina, de sussurro de pássaro alegre" — Olivia falou, tirando as luvas e se aproximando por trás de Cecília —, foi como Ramon Gomez de la Serna descreveu Maria Blanchard. A artista que fez desse quadro. Quando eu morrer, se eu tiver uma lápide, quero que escrevam isso nela.

— Putz Oli, que assunto mais mórbido! — Cecilia buscou uma madeira para bater. — E de mirradinha tu não tem nada né amiga...

— A carteira!

A gargalhada delas fez eco na galeria vazia.

— Olha o que eu trouxe para nós! Buñuelos. Acabam de sair do forno! — Balançou no ar um saquinho de papel manchado de óleo.

— Aff.. e essa bomba calórica?! — Olívia reclamou desamarrando o avental. Puxou o pacote das mãos da amiga. Ao abri-lo, de dentro saiu o cheiro adocicado dos bolinhos de farinha de trigo e queijo, fritos e empanados com mel e sementes de papoula.

A RESPOSTA DE ALINA ( CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now