ENCONTROS FORTUITOS

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O homenzinho de chapéu dentro do semáforo estava vermelho. Parado. Olívia impaciente esperava que ele ficasse verde e se movesse. "Vou chegar tarde!" ela bufou. Perderia o horário de entrada na Sagrada Família. Tinha que ir fazer umas fotos para uma pesquisa do curso de artes que estava fazendo. Um dos muitos cursos em que se metera para tirar Gerard da cabeça. E do coração.

O calendário sobre o criado mudo com os dias rabiscados com estrelas, indicava que já fazia cinco meses que ela não falava com Gerard. Mas isso não impedia que ela o sentisse como se o tivesse visto o dia anterior. Agora mesmo ela estava a caminho da catedral da Sagrada Família. Perto demais da casa dele. Temia pelo que poderia fazer. E se acabasse batendo em seu portão? Ou cruzando com ele na rua? E pior, se estivesse com Alina? O coração acelerou. Conhecia bem aquele sentimento. Era a adrenalina deixando seu corpo em modo alerta para situações de fortes emoções. Se encontrasse Gerard, viria o pico de dopamina, e ela seria invadia pelo prazer insano. Naquele momento, parada na esquina entre Pau Casals e Diagonal, Olívia era uma viciada, insaciável a procura de coisas que colocasse a vida dela em perigo. Com a consciência raptada por Gerard. "— Olívia, não é fácil se conectar com alguém, mas com a gente aconteceu!", dissera ele. Maldita conexão. Onde está a tomada para desenganchar?

Às vezes um amor é jogar na linha tênue entre a euforia e o vício.

— Olívia! — chamou a voz masculina trazendo-a para a tarde quente de Barcelona. Em seguida um assobio.

"Quem é esse maloqueiro?", se perguntou, virando a em direção à praça pensando.

Em um banco de madeira igualmente branco, entre a estátua do violonista catalão Pau Casals e ao lado uma laranjeira carregada de frutos e flores branca, Fernando sentado, em observava quem subia e descia pela avenida com o mesmo nome do músico. Sorria para ela. Ou melhor, simulava um sorriso. Ele até tentava sorrir, mas quando fazia, sua expressão facial era bem próxima a de quem estava sofrendo um derrame. Em sua defesa, deve-se dizer que por terras catalanas, não deixam com os dentes à mostra facilmente.

"Como alguém podia destoar tanto do próprio bairro?".

Numa vizinhança onde os homens desfilavam com ar preocupado dentro de camisas de linho, calças de alfaiataria bege ou azul marinho, mocassins e cabelo impecavelmente cortado, Fernando com seu estilo me- visto- no- primeiro-brecho- que- encontro, sacudia sua lisa e desalinhada cabeleira negra cortada em casa na tesoura. visual, bermuda e camisa de turista em Copacabana. Já podia imaginar a mãe dele arrancando os próprios cabelos, loiros tratados semanalmente no Anara, consternada com a excentricidade do único filho.

Mas isso não tirava sono dele. Poucas coisas o faziam. Solteiro, sem filhos, isolado da família e vivendo em Madri, sua com sua gata era o máximo de responsabilidade pessoal que Fernando se permitia. Ele inclusive a levava nas viagens de trem para cima e para baixo. Tricolor, se chamava a felino de patas brancas, costas cobertas de brilhante pelo negro e duas faixas douradas ao redor dos inquisitivos olhos escuros.

— Que surpresa boa é essa? — perguntou Olívia, irônica.

Vê-lo era bom, mas não era nenhuma surpresa. Sempre se esbarravam pelo bairro, depois da noite em que deram o primeiro beijo. Após Fernando responder: "— Que eu saiba não!", à pergunta de Olívia, sobre se alguém se magoaria ao saber do beijo. As vezes se saiam para comer, as vezes se sentavam na praça para filosofar. A personalidade cordial e brincalhona de Olívia não tardou em conquistar Fernando, que logo quis introduzi-la à seu círculo de amigos. Que eram muitos. Não davam três passos na calçada sem que não parassem para atender a algum conhecido dele. Sempre se acercavam com abraços ou tapinhas nas costas. Os semblantes senhoriais da zona alta relaxavam, para demonstrar satisfação e carinho. Olívia não entendia como ele conseguia isso. Fernando era o amigo do grupo responsável pelos comentários incômodos, e perguntas desagradáveis. Se alguém tinha um tema pessoal mantido oculto, ao sentar-se com Fernando, podia ter certeza de que até o final do jantar, esse assunto estaria sobre a mesa junto com a sobremesa. Não por maldade, mas Fernando parecia ter um compromisso inquebrantável com a verdade. "— Não se preocupe! Ele vai superar. É a verdade. Não vamos deixar de amá-lo só porque ele perdeu dez mil euros com bitcoins", ele dizia, orgulhoso da própria benevolência, caminhando de volta para casa ao lado de Olívia com seu olhar apiedado.

A RESPOSTA DE ALINA ( CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now