Dias bons e ruins

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Os dias após aquele natal passaram rastejando. Ana voltou a casa dos Miller na manhã seguinte e disfarçou com dificuldade o que estava sentindo, já Joel passou boa parte do dia fora 'resolvendo assuntos'. Não se encontraram no dia vinte e cinco e nem nos dois dias posteriores a esse.

Sarah, Ana e Tommy fizeram bonecos de neve e aproveitaram a nevasca que se estendeu até o dia trinta. Sem mais desculpas para se manter fora de casa, Joel os via correr pelo jardim da frente de casa, ele dentro do carro, se imaginando lá com eles. Ana sabia que ele estava lá mesmo sem Joel anunciar. Ela entendia que ele precisava de um tempo e não ia falar nada em relação aos últimos acontecimentos. Seria menos doloroso esquecer.

Ela e Sarah arrumavam os livros da menina quando ele entrou no quarto. O caos reinava ali, não era dia de limpeza, elas procuravam alguma coisa. Joel cruzou os braços para a filha e depois analisou tudo querendo perguntar o que faziam. "Eu perdi o colar da Ana." Sarah se prontificou a falar. Ana não parou de mexer na estante, abrindo algumas caixas e jogando o que tinha dentro na escrivaninha. "É mesmo?" Joel caminhou até Sarah e a ajudou tirar para fora a gaveta de roupas.

"Já procuramos em todo lugar." A babá parou de remexer o conteúdo em cima da mesa. Ela, então, colocou a mão no peito e ficou pensativa. Gostava de bugingangas, andava cheia de pulseiras e, depois de presentear Sarah com um cordão semelhante ao dela, também tinha duas peças no pescoço. O que Sarah tinha perdido era o que Ana tinha ganhado da mãe pouco antes dela morrer, um pequeno sol banhado a ouro.

"Qual foi a última vez que viu?" Ele perguntou, se agachando na cama e vendo por debaixo. "Quando eu tirei pra ir dormir." Sarah respondeu. "Eu pedi emprestado pra Ana porque eu acho muito bonito." Visivelmente irritada e preocupada em não conseguir achar, a menina cerrava os punhos caminhando de um lado para o outro. "E agora eu não acho. Não é justo perder uma coisa que não é minha." "Tudo bem, meu bem. Era só um colar." Ana colocou a mão no ombro dela e arrumou algumas mechas do seu cabelo para trás das orelhas, tentando a tranquilizar. "Não, não era. Foi a sua mãe quem te deu e eu tive que perder! Me desculpa Ana, me desculpa por favor!"

Era claro que Sarah jamais perderia o colar de propósito, nada que era dado por Ana era algo descartável para a garota. Mas por um descuido acabou esquecendo do objetivo e só lembrou ao ser perguntada onde ele estava. "Olha," Ana a levou até a beirada da cama, sentando as duas juntas "eu gostava muito daquele colar, muito mesmo." Joel escutava atento, fingindo procurar qualquer coisa dentro de alguns livros. "Mas eu não me importo se você perdeu." "O quê? Mas foi a sua mãe..." Sarah não entendia como Ana poderia não ligar, porque se tivesse algo deixado pela mãe com certeza ficaria furiosa caso alguém sumisse com ele. "Foi sim, mas e daí? Eu não preciso de um colar pra lembrar da minha mãe, Sarah. Posso até ser esquecida, mas eu me lembro de todos os meus dias com ela. E pra mim, nada importa mais do que as lembranças que eu tenho com ela."

Ana sorriu para Sarah, essa ainda cabisbaixa. "Eu dei o colar para você porque eu queria que se lembrasse de eu fazendo isso. Porque é isso que conta, meu bem."
A garota lançou um olhar triste e perdido para Ana. "Você não vai ficar com raiva de mim?" Perguntou fazendo ela revirar os olhos, sorrindo em seguida. "É com isso que você tá preocupada? Nem se quisesse você me
deixaria com raiva. Eu te amo, cariño." Ana citava Joel com o apelido dado por ele a filha.

Sem a percepção delas, ele assistia com uma leve expressão de carinho no rosto as duas se abraçarem. A cena esquentou o coração do homem e o fez querer viver naqueles segundos, que para a infelicidade dele correram mais do que qualquer outro.

... Dia 31 de Dezembro de 1999

"Mas a gente vai poder concluir o projeto antes do final do ano?" Tommy perguntava com alguns papéis na mão, jogando a planta para o irmão. "Com toda essa bagunça eu duvido que termine antes de três anos." Joel respondeu. Ele abriu o papel e sinalizou em vermelho as partes da casa com os maiores problemas. "Tudo isso?" Tommy ainda aprendia algumas coisas, fazia pouco tempo que tinha saído do exército e agora estava fiscalizando obras. "Tá vendo isso aqui?" Joel apontou para um desenho de uma parede no porão. "Eu fui até lá e tá tudo infiltrado. Se a gente não tirar é possível que a estrutura da sala em cima caia."

We Are Family - Joel MillerOnde histórias criam vida. Descubra agora