Verdades

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Joel tinha tomado um bom banho no começo da manhã, o cabelo molhado dizia isso. "Obrigado, Mary." Ele agradeceu pegando das mãos da mulher o pires e a xícara com o café quente. Joel molhou os lábios na bebida e depois colocou o porcelanato de estampa florida sobre a mesa do antigo escritório.

"Joel, meu velho amigo! O que faz aqui tão cedo?" Jack Addams veio de fora da sala, caminhando de vagar com o auxílio de uma muleta. Veterano de guerra como Joel, Jack e ele haviam servido juntos e tinham uma velha amizade. "Já vi que Mary Lee serviu o café, mas eu tenho aqui nosso outro amigo de guerra." Ele bateu uma das palmas no ombro de Joel e mostrou as garrafas de whisky no aparador de metal ao lado do sofá de couro.

Passaram bons anos compartilhando cantis de whisky e tequila. As bebidas os deixavam sonolentos e ajudavam quando precisavam dormir as noites em buracos cavados nas terras, escondendo-se de outros homens como eles, mas que serviam por outros países. Era um hábito. Hábito antigo e repulsivo que lembrava Joel os tempos que não gostaria de viver novamente.

Jack sentou-se na poltrona frente dele e sorriu para o cara, surpreso, mas contente por ele recusar a bebida. "Mary e eu ouvimos alguns comentários sobre você e a garota filha de Wilson. São só fofocas ou...?"

"Eu e Ana estamos namorando. Sei que parece estranho. Mas gosto dela e ela gosta de mim." Joel, que se arrumava no canto do sofá, respondeu ríspido esperando algum comentário negativo. A esposa de Jack veio até eles e apoiou-se no braço do assento do marido. Ela conhecia Ana de vista e sabia da beleza da mulher. Portanto, quando soube das fofocas terríveis que espalhavam pela cidade, também soube que muitas mulheres invejosas estavam ligadas com a difamação de Ana. "Desculpe, Joel. É claro que está gostando dessa menina. Sempre foi um homem íntegro, não duvido das suas intenções com ela."

"De certo que sim, querido." Os dentes de Mary brilharam num sorriso calmo. Seu cabelo loiro feito em cachos balançava conforme falava. A mulher era de uma formalidade e doçura que espantava Joel o fato de ter casado-se com alguém tão diferente dela. "A moça é bonita e você tem sorte por conquistar alguém igual a ela. Claro, não digo isso só dela, não é, meu bem?" Os olhos puxados de Jack se fecharam, concordando com Mary, rindo.

"Joel Miller era o homem mais bonito da nossa unidade, isso era o que as moças diziam na época. Você ganhou um par de rugas perto dos olhos, mas continua sendo o mais atraente." Ele brincou. "Ainda bem que você não é Joel... Graças a Deus não preciso me preocupar em competir com outras para estar com meu velho Jack." Mary gargalhou, zombando das verdades na cara do marido enquanto Joel fazia o mesmo, admirando a união do casal.

"Nem que esse cara fosse bonito teria alguém melhor do que você, Mary Lee." O moreno suspirou. "E também... um aleijado não costuma ter tantas opções." Jack tentou o acertar com a muleta, mas Joel se esquivou e jogou a peça de madeira no chão. "Sempre muito lento, meu amigo. Muito lento."

As conversas eram leves e acabavam num riso de Mary e na troca de insultos dos amigos. O casal perguntou de Sarah e os convidou para um jantar em qualquer noite livre. Eles seriam os padrinhos da garota se a filha que vivia na Austrália não tivesse morrido num acidente, os fazendo viajar e passar os últimos anos cuidando dos netos naquele país distante. "A casa nova precisa ter mais dois quartos para Chloe e Benedict. Pode falar com a empreiteira que vamos mudar a planta do primeiro andar?" Os netos haviam vindo morar com eles e a mudança seria para acomodar as crianças.

Joel suspirou e olhou para o chão. Eles se quer foram avisados sobre sua demissão. "Desculpe, Mary. Eu não estou mais trabalhando na vistoria da casa de vocês." Os dois se olharam, surpresos com a notícia. "O quê? Por quê?" Ela perguntou, se levantando do sofá e pondo as mãos nos quadris. "Você saiu, Joel?" Era a vez de Jack questionar.

"Não. Eles me demitiram."

Estavam sem entender. Eles eram realmente muito próximos e desde sua volta da Austrália, Jack deixou certo que a reforma na casa antiga não teria outro empreiteiro chefe que não fosse Joel. "Eu não estou sabendo de nada disso. Uma das minhas exigências com a empresa de arquitetura para fazer o projeto é que você estivesse trabalhando nele."

Joel podia se controlar, mas a raiva, uma chama reacendida no peito pela ideia de que o casal não estava a par de nada do que acontecia na obra, o fez cravar o maxilar e cerrar os punhos. "Por que te colocaram para fora?" A pergunta de Jack soou acusatória, como se existisse um motivo pertinente, como se Joel tivesse se comportado mal.

"Todo o projeto foi mal feito, mal pensado, mal planejado." O homem passou as mãos pelo cabelo ainda úmido e negou com a cabeça, lembrando-se dos dias que alertara os arquitetos sobre os problemas que sua equipe havia encontrado e foram ignorados. "As paredes no porão estão infiltradas e as vigas que sustentam a sala principal estão tortas. Ja faz um tempo que me tiraram do serviço. Eu não sei como tudo anda agora, mas sei que da forma que estava não haverá quarto para Chloe e Benedict."

Jack, portando novamente a muleta, ergueu o corpo com força e bateu no chão com o pé saudável. "Está mesmo me dizendo que eles sabiam desde o início disso e não mudaram nada na construção?"

"Até onde sei, nada, meu amigo."

Mary engoliu a saliva e pensou no que o marido faria. Apesar da aparência rústica e pouco amigável, Jack era educado, no entanto, um homem quando passado a perna podia tomar muitas personalidades. Ela temia isso.

Os olhos quentes e doces de Mary observavam Joel. Ele estava sério, apreensivo e talvez com um pouco de medo do amigo que era alguns anos mais velhos. "Eles não queriam que dissesse nada a você, não queriam que eu contasse que eles estavam economizando a verba que disponibilizava."

"Não queriam que soubéssemos que estavam roubando da gente." Mary concluiu e Joel assentiu. Ela confiava que ele falava a verdade e ele ficou aliviado por isso.

"Te ofereceram dinheiro para não contar?" Jack perguntou, o encarando seriamente.

Joel engoliu a seco. Sim, haviam. E, um tempo atrás quando tudo era diferente, ele aceitaria. "Eu disse que contaria independente de qualquer grana suja."

"E foi mandado embora por isso." Jack continuou. O homem de cabelos grisalhos suspirou. Joel pôde finalmente ver que o velho amigo voltava ao seu estado de alguns minutos antes. Sua face que ganhara um aspecto carrancudo e extremamente sem vida, sorriu e piscou. "Fico feliz que tenha vindo." Ele disse.

"O que vai fazer sobre isso, meu amor?" Mary saiu do assento e tocou o braço dele.

"Só o bastante para que eles nunca mais consigam um trabalho na vida." Ela sorriu para Jack e depois agradeceu a Joel pela honestidade. O que poderia ter acontecido se não tivesse dito? Na melhor das hipóteses, o piso e as vigas aguentariam até o fim da obra e depois desabaria e eles teriam que recomeçar, a empresa seria multada e a verdade seria revelada mais tarde. Na pior das hipóteses, a construção chegaria ao fim e as paredes infiltradas cederiam quando ela, Jack e os netos estivessem em casa. Nessa situação o dinheiro seria o menor dos problemas.

"Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, conte comigo para ajudar." Jack ofereceu a ele antes de Joel recusar.

Ele estava cansado, ah, sim, estava. Estava desempregado, vivendo por bicos e fazendo aquilo muito bem. Ele era excelente e podia mesmo ter mentido para o amigo. Joel ousou hesitar quando a quantia lhe foi oferecida, pegaria o dinheiro e quitaria suas dívidas. Ganharia dez mil dólares e ficaria calado. Porém, Jack Addams o ajudou desde que saíram daquelas malditas trincheiras e o deu oportunidades para levar uma vida digna, o velho jamais descuidaria de Sarah e Joel se martirizaria por ter pensado na possibilidade de aceitar.

We Are Family - Joel MillerWhere stories live. Discover now