Laços que se desgastam

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"Você não me contou nada. Por quê?" Ana sibilou, os lábios descascados pela mudança no clima sangravam a cada mordida que a mulher dava. "Eu pensei que estava tudo bem. Sabia que estava trabalhando demais, que estava cansado, mas eu confiei que me contaria se algo estivesse errado." Seus olhos, uma mistura de angústia e decepção, buscavam respostas na feição fechada de Joel.

A discussão entre Ana e o homem havia começado como um sussurro logo nas primeiras horas da manhã, mas agora ecoava com intensidade nas paredes da sala bagunçada pelos sapatos dos homens que moravam lá e deixavam tudo pelo chão. Era cedo e Sarah acompanhava a conversa do andar de cima, atenta as explicações do pai que se recusou a lhe contar mais do que meia dúzia de palavras a respeito do processo judicial que a empresa estava o submetendo. Assim como Ana, ela sabia que tinha ligação com a "confissão" de Joel para Mary e Jack Addams.

"Eu não achei que fosse necessário. Estamos indo bem, você não precisava saber disso e Sarah não tinha a permissão para te contar." Joel continuava fugindo de Ana. Ele se esquivava da verdade, de lhe contar o simple, acreditando que a mulher não precisava lidar com os seus problemas. Ana, em pé na frente dele, caminhou para a cozinha, negando enfurecidamente com a cabeça.

Joel a seguiu, vendo Ana se apoiar na bancada da cozinha e o encarar, apertando a faixa extensa de cerâmica entre ela e ele, que permanecia hesitante. "Você achou que não era necessário me contar o que acontece na sua vida? Isso é importante, você está sendo processado. Isso é o significado de confiar em mim, Joel!" Ele deu um passo para trás, sentindo o maxilar prender o pedaço da bochecha entre os dentes, se calando mais uma vez.

O coração de Ana relaxou e ela prestou atenção no homem a sua frente. A figura cabisbaixa de Joel revelava o conflito interno que o consumia - o desejo de se abrir e o de manter as questões que lhe impediam de dormir bem a noite, que o deixavam carregado e irado. Ela sabia que ele estava aflito e que sentia uma dor que teimava em compartilhar mesmo que fosse necessário, mesmo que ele fosse se sentir melhor após contar. Os Miller, ela sabia, guardavam a porra dos sentimentos todos para si, engasgando-se com eles e, às vezes, perecendo sem que ninguém soubesse o que passava em suas cabeças.

Ana respirou fundo. Ela subiu a alça do vestido em seu ombro e caminhou até a janela da cozinha. Ana inspirou o ar abafado de junho e depois virou-se para Joel. "Não quero fazer parte só das coisas boas da sua vida. Eu quero mais, eu preciso de mais, Joel." Deixando de mão a sua crescente raiva, Ana disse sua fala com uma expressão oposta a de um minuto atrás. Profundamente chateada, ela só queria que o homem que amava permitisse que ela fizesse parte dos seus momentos sombrios para que ela pudesse apoiá-lo, guia-lo em suas estradas de neblina. "Por favor." Ela suplicou, apelando uma última vez.

"Você não tem que se preocupar com isso, não é nada demais." Ele respondeu com um sorriso falso que mais cortou do que a acalmou. Há dez passos de distância dele, Ana se perdeu. "Eu vou resolver isso, eu prometo." Seu sorriso forçado caminhava até ela que tentava manter-se firme mesmo sem enxergar nada a sua frente. O que ele queria de verdade dela? Porque, aparentemente, ela queria muito dele e estava sendo negada. "Quando você menos esperar, vai tudo estar do jeito que era antes." Joel tocou os ombros dela e acariciou a sua pele. Ana mordeu os lábios e engoliu a vontade de chorar enquanto via os olhos enganosos do moreno, olhos atormentados por suas próprias barreira internas.

Do mesmo jeito que era antes? Quando você escondia o que sentia por mim? Quando eu te amava em segredo e tinha medo de te contar?  - Ela se questionava.

Eu não quero voltar para o antes.

De tarde, naquele mesmo dia, Ana e Sarah mantinham o costume de voltar para casa juntas. Desde o acidente que destruiu o motor do seu carro e a conversa na qual Denise colocou medo em Ana, a jovem voltou a pagar a velha e barata passagem de ônibus. E, entre a faculdade e sua casa, lá estava Sarah, a esperando todos os dias no fim das suas aulas.

We Are Family - Joel MillerWhere stories live. Discover now