Capítulo XXIX - No Fim das Contas

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Eros, o invencível na batalha,

Amor, tu que desces sobre as riquezas,

e observas a noite toda

na bochecha macia de uma garota,

tu vagas sobre o mar

e entre as casas dos homens na selva.

Nenhum imortal pode escapar de você,

nem qualquer homem cuja vida dure um dia.

— Avi Kapach, "Eros."


O tempo era uma coisa cruel porque Cronos era uma criatura cruel.

Os gregos o chamavam: o inexpugnável, aquele que a tudo devora, aquele que controla o destino. Não importava que ele houvesse sido derrotado, que seus filhos engolidos houvessem reunido suas forças e o destruído. Ninguém além dos Grandes sabiam ao certo sobre o seu destino. Havia quem dissesse que o Titã ainda estava preso, acorrentado em algum canto escuro do Hades. Outros diziam que ele havia sido perdoado, que o Senhor da Morte lhe cedera os domínios do Elísio, onde ele acabaria seus dias guiando as almas dos heróis e dos bravos para o pós-vida. Não importava. O Tempo era e sempre seria cruel. Ele dava pouco aos que queriam muito e muito aos que queriam pouco. Por isso Apolo teve apenas um dia nos braços de seu amor mortal antes que Tânatos viesse buscá-lo e Hermes matou sua nova paixão em apenas uma semana.

E por isso Eros levou duas para ser encontrado.

Foi Hipnos no final das contas que tateou as bordas da Fenda abandonada pelo filho, já oscilante e desfazendo-se nos cantos. Mas tarde alguém perguntaria a Fantasia o que aconteceria com Eros se ninguém houvesse encontrado aquele lugar nenhum antes dele desaparecer e receberia em troca um silêncio bucólico estranhíssimo a deusa da loucura. Porque nenhum deles sabia.

Tudo aconteceu muito rápido depois disso. Entrar na Fenda de algum deus sem ser convidado era teoricamente impossível. Mas Hermes era um trapaceiro nato e nunca se importou se devia poder entrar em algum lugar ou não, ele sempre trabalhou na periferia das coisas e sempre chegou aonde queria chegar. E para quem passeava pelo Submundo como se fosse uma praça, não seria o buraco desmoronando de um deus da ilusão que o pararia.

Ares estava no mundo mortal neste momento, ainda procurando o filho perdido entre os homens. Ele e Artêmis juntaram seus cães e os espalharam por todas as partes da Grécia, enquanto os corvos do primeiro e os falcões da segunda iam ainda mais longe. Hefesto fez o mesmo com suas criaturas metálicas e Anteros... Anteros tinha seus meios. Tudo em vão, no fim das contas. Dionísio fora com a mãe em uma visita inédita e fora de hora até os reinos escuros do padrasto, sustentando a parca possibilidade dos algozes terem de alguma forma violado as entradas do submundo, o que foi uma bênção. Se ele estivesse no Olimpo naquele momento, seria muito difícil o manter longe da Fenda, e ainda mais difícil mantê-lo nos limites da sanidade se entrasse nela.

Porque Apolo quase perdeu a sua.

Era catastroficamente poético no final que fosse ele no fim, o mais antigo inimigo do Amor, que entrasse naquele lugar depois de Hermes. Ele que desejava tanto ver Eros ferido e machucado, e empurrando o irmão alado, foi quem o encontrou assim.

Destroçado.

Ele não viu Hermes vomitar. Nem percebeu que os cabelos do irmão ainda estavam pretos como piche e que, mesmo que seu tornozelo estivesse curado, ele ainda mancava levemente. Não reparou nos lençóis sujos que coisas além do que queria imaginar e nem daria atenção para as correntes dependuradas no teto se o pulso esquerdo de Eros ainda não estivesse atado a uma delas. O outro havia se quebrado e escapado em algum momento.

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