Capítulo VIII - Pseudo-família

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ALERTA DE GATILHO: Relacionamento abusivo 

Nebulosa: Tudo o que vocês fazem é gritar uns com os outros.
Vocês não são amigos!
Drax: Não. Nós somos família.

— Guardiões da Galáxia Vol 2


— Presente —

Eros acordou se sentindo usado. Como se fosse dobrado, desdobrado, e dobrado outra vez, nas mãos de um feitor de origami amador. Um suspiro extenuado saiu dos seus lábios antes que tivesse aberto os olhos. As sensações foram chegando devagar: o cheiro exótico, mas familiar de cogumelos e pós-estimulantes; a ardência sutil no posterior da coxa direita e um gosto intruso e agradável de caramelo entre os lábios. Abriu as pálpebras morosamente e caiu sem delicadezas dentro de uma imensidão psicodélica e colorida...

— Bom dia, Cupido. — Morfeu sussurrou, olhando no fundo dos seus olhos, o rosto extremamente próximo ao seu; como se o estivesse esperando acordar naquela posição há horas.

— Bom dia... — Eros murmurou, piscando surpreso.

Os acontecimentos do dia anterior firam reprisados dentro da sua cabeça, fato que o levou a tentar limpar o rosto de imediato, tendo passado a noite exatamente no mesmo estado que ficara após o sexo, no que Morfeu não o deixara sequer se mover dentro dos seus braços. Mas percebeu, com surpresa, que sua face estava perfeitamente límpida. O deus dos sonhos devia tê-lo limpado ao acordar, podia ver algumas toalhas úmidas usadas no criado-mudo ao lado da cama, e sentia a pele especialmente fresca. Embora, na realidade, estivesse mais do que límpido e reluzente. Eros sempre ficava ainda impossivelmente mais atraente e belo depois de ter sido devidamente satisfeito na cama. A prova estava ali, na sua cútis vistosa e cabelos brilhantes.

— Espero que não tenha tido pesadelos... — deus dos sonhos segredou dissimulado, tendo plena consciência de com o que ele tinha sonhado, sabendo que o lembrada do dia em que se conheceram; enquanto deslizava lentamente os dedos pelos seus lábios.

Eros apenas piscou preguiçosamente, sentindo-o escorregar o polegar para dentro da sua boca, acarinhando sua língua sensível, segurando seu queixo. Ele fazia isso desde a primeira vez que dividiram a cama. Cupido não sabia porque, mas aquela atitude impelia um sentido de posse absurdo, como que ele estivesse explicando de quem era aqueles lábios, de quem era aquela boca, de quem era aquela língua.

Dele.

E o modo como Eros aceitava aquilo mansamente, entreabrindo inofensivamente os dentes, quase fechando os olhos pretos, não escapava a sua própria consciência.

De certa maneira, ele gostava de ser de alguém. Isso significava que não estava sozinho.

Morfeu desfez o ato apenas para beijá-lo: muito lento e muito autoritário. Abrindo a passagem da própria língua, subindo sobre ele, deixando Eros ofegante e atordoado quando se afastou de repente.

— Hora de dizer à família que você voltou. — declarou apenas, sentando-se na cama.

Eros arregalou os olhos a beira do desespero, um frio de avalanche na barriga. Se Morfeu não sabia por que ele havia saído da sua vida – ou, pelo menos, fingia que não... – os outros sabiam menos ainda. Deviam odiá-lo a àquela altura.

— Hum... estão dormindo ainda. — o deus dos sonhos sussurrou, os olhos fechados em concentração. — Acho que está na hora de despertá-los...

— Morfeu, não... — Eros implorou num piado de pardal fora do ninho, sabendo exatamente o que ele estava planejando. — Não faça isso, por favor... ah... — ele desistiu ao ouvir pelo menos quatro gritos diferentes ecoando num pânico esganiçado vindo dos andares de baixo.

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