Capítulo VI - No Alto das Coisas

1K 136 1.6K
                                    

A única maneira de se livrar de uma tentação é ceder a ela.

— Oscar Wilde, "O Retrato De Dorian Gray"

— Você está querendo me dizer que o deus das festas fugiu... da própria festa?! — Apolo soltou, exclamando baixo entre os dentes.

— Eu... ah... — a bacante começou a soluçar nos braços de Eros.

— Não sabemos se foi isso o que aconteceu. — Cupido disse, embalando a mulher distraidamente.

— Oh não, tenho certeza de que as hárpias o raptaram!

— Não precisa ser cínico. — Eros reclamou. — Grosso...

— Ora, mas... — o deus do sol apertou os dentes. Agora que havia decidido tomar um rumo divergente de Dionísio definitivamente, isso acontecia! — Certo, e o que é que eu tenho com isso? — perguntou, friamente.

A ménade começou a chorar de verdade, escondendo o rosto no peito de Eros, que fechou a cara para ele.

— Nem comece, Apolo. — murmurou, perigosamente calmo. — Ele é seu irmão... e seu amigo.

O Sol encarou aqueles olhos implacavelmente escuros enquanto pode, mas eles eram muito mais duros que os seus, o fazendo acabar por soltar um suspiro irritado e desistente.

— Ah, que seja... — soltou. Não acredito que estou me metendo nisso... — nenhuma das bacantes o viu? — quando a mulher negou com a cabeça, o rosto bonito molhado, ele continuou: — E Sileno? Vocês perguntaram para ele?

— Claro que sim. — Eros murmurou, seco.

— E nada? — Apolo insistiu.

— Eu perguntei "Sileno, onde está o seu deus?" e ele disse "Que deus?" — Cupido respondeu, apertando os lábios cheios aborrecidamente.

Apolo revirou os globos azuis.

— V-Velho... idiota... — balbuciou a bacante, entre soluços, a voz abafada pelo tecido da roupa do deus do amor, que ela molhava com lágrimas tímidas.

— Somos todos capazes de concordar com isso, querida. — Eros disse para ela, suavemente, enquanto acariciava seus cabelos claros.

Apolo encarava aquilo com uma inveja feia e não ignorável cutucando sua consciência.
Nunca fora capaz de demonstrar um afeto tão simples e sincero como o outro fazia distraidamente. Fato que lhe tornava toda demonstração de carinho público, irritante.

— Por quê? — o Sol disparou, desviando os olhos.

— Por que o quê? — Eros franziu as sobrancelhas platinadas, confuso.

— Por que ele faria isso? — Apolo continuou, apertando o queixo quadrado entre os dedos.
— Não encontro lógica neste comportamento. Vocês o conhecem. Por que ele faria isso?

Eros franziu o cenho, negando com a cabeça. A mulher desafogou a face do seu peito e murmurou.

— Meu senhor n-nunca fez nada... nada pa-parecido. — balbuciou ela. — Sempre foi metódico e extremamente perfeccionista com os mínimos d-detalhes em festas importantes. — Apolo não conseguia nem imaginar Dionísio sendo minucioso, mas a deixou continuar. — Acompanhou a preparação desta com um afinco que eu nunca vi... — ela parou, os olhos castanhos se perdendo por um instante. — Mas...

— Mas? — Eros incentivou afável, colocando as mecha de cabelo que grudaram da pele das bochechas na bacante atrás de suas orelhas.

— Ele estava... diferente hoje. — a mulher prosseguiu, a voz mais firme. — Desde manhã, estava estranhamente calado, soturno... quase inexpressivo. — um soluço escapou de sua boca. — Pensei que estivesse apenas ansioso, esta é uma festa importante para ele, até a divindade do seu pai prometeu comparecer e meu senhor não camufla as emoções... mas... — hesitou por um estante, tomando folego em seguida. — Era eu quem o estava vestindo esta noite. Antes de sair, ele disse que queria ficar um momento sozinho, e eu... eu... — ela se encolheu, prestes a desabar de novo. — Eu obedeci. Achei que só estava nervoso! Mas quando voltei, ele tinha sumido! — algumas lágrimas desceram por suas bochechas. — É culpa minha! Minha! Eu devia ter percebido alguma...

BacanalDonde viven las historias. Descúbrelo ahora