Capítulo XVI - A Representação dos Meus Olhos

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A vida está brilhando mais,
para sempre sob o sol
Agora, nos deixe checar nossas mentes,
e nos deixe checar as ondas
Ficar na onda e seco é mais problemático
do que isso vale, sob o sol

Só um espelho para o sol
Só um espelho para o sol
Esses olhos sorridentes
são só um espelho para o sol...

— Red Hot Chili Peppers, "Road Trippin"

Apolo abriu a porta esperando pelo pior. Chegou a fechar os olhos, como uma criança que acredita que, por não estar vendo ninguém, ninguém a está vendo de volta. Houve três segundos de escuro e silêncio. Ah, o silêncio, tão lindo e tranquilizador. Apolo abriu as pálpebras, sorrindo suavemente. Estava tudo no lugar: os mesmos quadros clássicos nas paredes, os mesmos candelabros dourados e acesos, as mesmas flores coloridas e misturadas por toda parte. Não havia música. Não havia dança. Não haviam deuses e sátiros enlouquecidos, rolando e desmaiando pelo seu tapete azul-cinzento.

Não havia festa nenhuma.

Um suspiro de alívio puro deixou os lábios morenos do deus do sol. Dionísio não tinha o costume de contrariá-lo desnecessariamente, mas insistira tanto naquilo que ele chegou a preocupar-se de verdade, apesar daquela promessa forçada. Pediria desculpas pela sua desconfiança mais tarde. O pequeno conseguira resistir aos seus instintos em favor da sua vontade, queria beijá-lo naquele momento.

O menino estava ali, tinha certeza. Não era só o seu cheiro de madeira doce e álcool, já decorado pelos móveis, que chegava facilmente até ele; era uma sensação de presença que ele não poderia explicar racionalmente. Sentia-se uma pedra-ímã perto de metal. Mas ele não estava esperando na sala, nem pulou nele na entrada como era de costume. Teria saído a sua caçada, se um detalhe não houvesse chamado seus olhos azuis.

Estava tudo no lugar, menos aquele embrulho. Uma caixa de madeira comprida, enfeitada de papel-seda cor púrpura, no centro exato e dissimulado da mesinha de centro. Apolo contraiu levemente as sobrancelhas, o sorriso agora maior na sua boca. Não só tinha respeitado a sua vontade como lhe deixara um presente, ao que parecia.

Apolo se sentou no meio do sofá azul-celeste, de frente ao mimo ainda empacotado e desconhecido. Levou um tempo apenas estudando o tamanho retangular e a madeira da caixa, visível e escura por detrás do papel fino e levemente translúcido, preso no topo do embrulho por uma corda delicada e estreita em forma de trança. Devia ter uns três palmos e meio de altura, a metade em largura e comprimento. Arriscou pegá-lo por um momento, testando seu peso. Nem muito leve nem muito pesado. Foi suave em seus movimentos, sem querer quebrá-lo se fosse de vidro ou porcelana, mesmo assim, nada chocalhou lá dentro. Nem fez aquele som veludoso de algo macio. Num leve bamboleado para o lado o seu interior pareceu desequilibrar-se, de modo que o Sol logo o voltou a posição correta. Não tinha a mínima ideia do que poderia estar lá dentro.

Foi com uma alegria quase de menino que desfez o nó que prendia o papel arroxeado em volta do presente, abrindo a folha fina ao seu redor. A caixa agora estava nua, numa madeira bonita e vermelha, lustrada, mas muito simples. Sem enfeite, talhe ou acabamento. Seria perfeitamente lisa se não fossem três furinhos suspeitos em ambas as laterais, no diâmetro de pontas de dedo, como faziam em caixotes com filhotes, para que pudessem respirar. E Apolo, por um momento, temeu ter um ser vivo pulando no seu rosto quando puxasse a tampa do retângulo; ele conhecia bem a paixão do amante pelos animais. O silêncio prolongado e quieto dentro da caixa o tranquilizou rapidamente. Esperava que isso não significasse uma espécie emudecida e ardilosa de serpente.

Mas não, ele não faria isso. Sabia que Apolo odiava cobras, culpa daquela maldita Píton, há tanto tempo...

Sem dar mais segundos aos seus devaneios, colocou ambas as mãos elegantes em volta da tampa e abriu seu presente. Para sua surpresa imediata, as laterais da caixa não estavam presas umas as outras, e caíram num movimento dramático, fazendo um sinal de adição sobre o mogno claro da mesa pequena.

BacanalWhere stories live. Discover now