Capítulo IV - Maldito Morfeu

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  E se vocês ainda estão respirando, vocês são sortudos
Porque a maioria de nós está arfando através de pulmões corrompidos
Incendiando nossos interiores por diversão
Colecionando nomes de amores que deram errado
Os amores que deram errado 

— Daughter, "Youth"



- Sete séculos e meio atrás -

Apolo desceu do Olimpo, com um peso desconfortável no peito largo. Vira claramente mágoa que causara despontar nos olhos escuros de Eros. Embora seu orgulho ferido e sua vaidade crescente se parabenizassem alegremente, um fiapo de consciência insistia em lhe dizer como aquilo tudo fora desnecessário. Não importava, ele pensava, colocando os pés no mundo mortal.

De repente, sentiu uma pontada de dor fina no meio das costas. Mas foi um tipo de dor estranha: quente, lenta e quase prazerosa. O deus levou a mão à pele que queimava calidamente e não encontrou nada ali. Mas um calor arrastado, denso e levemente dolorido irradiou daquele local para o seu corpo todo, como se tivesse sido envenenado por magma, como se fosse atingido em cheio por uma lança em chamas. Ou, quem sabe...

Uma flecha de ouro.

Apolo arquejou, todo o seu ser vibrando em harmonia com alguma força desconhecida. E única coisa em que conseguia pensar era que precisava desesperadamente estar em algum lugar. Um lugar que não era ali, um lugar que ele não conhecia, mas seus pés aparentemente sim, porque começou a correr como se sua existência dependesse disso.

Pulou pedras, atravessou rios, desviou de árvores e escalou morros, sem nem notar. Andou por dias, andou por horas, andou por anos. Ele não tinha a mínima ideia, não parecia importante. O seu coração batia como um tambor tocado por um bêbado mais feliz do que convinha, nos seus ouvidos, na sua garganta, no seu corpo todo. E aumentava conforme ele se aproximava de seja lá onde estava indo.

Então parou.

As mãos quentes suavam frio, estava difícil de respirar, estava difícil de pensar. Adentrou lentamente na borda de uma clareira, os passos mudos e receosos.

E então a viu.

No meio do círculo arbóreo, trançando os cabelos distraidamente, havia uma ninfa. Suas melenas eram volumosas e encaracoladas, cor de chocolate amargo. Os olhos azul-esverdeados com formato engateado se destacavam contra a pele escura como ébano, por debaixo de um par de sobrancelhas finas. Os lábios escuros muito cheios cantarolava ritmicamente uma canção da floresta.

Apolo correu para ela antes de perceber o que estava fazendo.

Quando a ninfa o notou ao seu encalço, não pareceu ter visto o tão belo e dourado deus do sol, sua expressão era de quem se encontrara com um horrendo e monstruoso espectro da floresta. A mulher colocou a mão sobre o peito, de onde irradiava um frio cortante e repulsivo, tão qual tivesse sido alvejada por um dardo de gelo. Ou, quem sabe...

Uma flecha de chumbo.

A ninfa pôs-se a correr desesperadamente.

— Não! — Apolo gritou, ao vê-la escapar dos seus braços. — Não, por favor, espere...

— Deixe-me em paz! — ela o cortou, sibilando agressivamente entre os dentes brancos. — Vá embora e me deixe em paz!

Ele não conseguia nem pensar nessa possibilidade.

— Pare de me perseguir, seu bastardo! Vá embora! — ela gritou para ele, correndo pelo bosque.

— Não posso. — ele disse, atrás dela, como um louco ferido.

BacanalWhere stories live. Discover now