Capítulo XXV - Dor Fantasma

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Ouça o vento soprar
Veja o sol nascer
Corra por entre as sombras
Dane-se o seu amor
Danem-se as suas mentiras

E se você não me ama agora
Você nunca me amará novamente
Eu ainda posso ouvir você dizer
Que nunca quebraria as correntes

São as correntes que nos mantem juntos.

— Fleetwood Mac, "The Chain"


Morfeu abriu a porta como quem agride o inimigo.

— Onde raios você estava? — rosnou entre os dentes brancos, os olhos já violetas como a flor. Fazia quase uma semana que Eros não dava as caras e nem teve a decência de mandar uma carta, ou melhor, ficar em casa onde pudesse achá-lo quando quisesse, como seria apropriado. Estava testando imprudentemente sua vaga paciência.

Eros fez a última coisa que Morfeu esperava dele.

Eros empinou o queixo e sorriu.

— Na minha casa... em outras casas... por aí... — respondeu calmamente.

Morfeu abriu os lábios pálidos.

— O que...?

— Posso entrar? Com licença. — ele interrompeu, já deslizando languidamente no espaço que o outro deixou vago na porta, carregando seu cheiro ofensivamente tentador de sobremesa com pimenta.

O deus dos sonhos ficou um tempo parado, apenas olhando o vazio deixado a sua frente. Os olhos desceram do violeta para o mostarda, quase amarelo.

Apreensão.

— Seus irmãos estão? — Eros cantarolou lá de dentro, sentando ousadamente numa poltrona azul-da-prussia.

— Saíram com meus pais para visitar meu tio... — sussurrou vagamente, se virando para ele devagar.

— Hm... pena, terei que avisar-lhes de outra forma ent...

— Não. — Morfeu decretou, os olhos feitos em fendas amareladas. Aquele comportamento desmentido só poderia significar uma coisa e ele não queria saber dela.

— Não o quê?

— Você não vai me deixar de novo. — ele disse simplesmente, áspero como se mastigasse pedras.

Eros fechou os lábios por um instante, trocando a ousadia no rosto belo por uma seriedade fria. E seus olhos eram os mais duros que o outro já vira. Mais duros do que imaginava possível naquela coisa macia. Mais afiados que sua própria raiva e malícia.

— Morfeu...

— Você não vai me deixar de novo!

— Sim, eu vou. — Eros discordou prontamente.

Morfeu avançou na sua direção, fazendo jus a expressão "sangue nos olhos" que provavelmente surgiu em homenagem as suas íris escarlates no auge da ira.

Mas ele parou, quase cerrando os olhos vermelhos, quando uma explosão delicada de penas brancas rodopiou a sua frente e as mãos vazias do Cupido se ocuparam de um belo e esguio arco de platina, o assustando à morte.

Como...?

— Eu vou dizer apenas uma vez, então preste atenção. — Eros murmurou devagar, numa ira fria que seria a união perfeita entre Ares e Anteros. — Se você chegar a menos de cinco passos de mim... — avisou, inclinando o arco para ele como um dedo acusador. — eu coloco uma seta na sua cabeça. — explicou, quase com didática. — Entendeu?

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