Capítulo VII - Delírio

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Eu quero você
Podemos fazer isso no chão
Você nunca dançou desse jeito antes
Mas nós não falamos sobre isso
Dançando...
Fazendo a dança a noite toda
Bêbados no paraíso
Mas nós não falamos sobre isso

— Milk Chance, "Stolen Dance"


O gosto dele explodiu na sua boca.

Foi como se não comesse a centenas de anos, não bebesse a dezenas de séculos e então houvesse sido afogado por uma maré de sabores. Era melhor do que qualquer coisa de já houvesse comido. Melhor do que qualquer coisa que já houvesse bebido. Mastigado. Provado. Imaginado. Ingerido. Era melhor que o melhor vinho, entre os milhares de barris abaixo deles. Era melhor do que ambrosia, a bebida dos deuses.

Era melhor do que estar vivo.

Apolo agarrou a nuca de Dionísio no desespero de um morto de fome, os dedos longos se prendendo nos cachos baixos e sedosos, os fios apertados entre os dígitos. O menino arquejou de surpresa ao ter a boca pequena sorvida pelos lábios em brasa do deus do Sol.

Apolo gemeu contra sua carne carmim, sem ter consciência de que o fazia. Toda e qualquer partícula de razão que ainda havia no seu corpo estava concentrada numa única e indispensável tarefa: não fazer Dionísio pegar fogo, não queimá-lo descuidadamente como outrora. Fora isso, não tinha absolutamente nenhum domínio sobre si. O que era perigoso. Era insensato. Era irresponsável.

Era maravilhoso.

Dionísio moveu a boca sobre a dele, dando-lhe mais espaço, mais carne, mais sabor. O deus do Sol deslizou a língua pela parte interna daqueles lábios rubros com gosto de delírio. Primeiro rápido e exigente, arquejos quebrados e famintos escapando roucos pela sua garganta. Depois lento e metódico, os sons estalados das carnes cálidas dançando devagar. Queria conhecer cada centímetro daquela pele molhada, navegar naquele desconhecido quente, marcar aquele pequeno tesouro de luxúria.

Desceu uma mordida feral no lábio inferior do menino, sentindo a carne macia se moldar ao contorno dos seus dentes. Dionísio gemeu, mostrando as presas brancas e pequenas, cerradas pela dorzinha repentina. Apolo largou seu lábio com uma lambida e arrastou a língua pela superfície lisa dos seus dentes. Medindo-os. Contando-os. Então pressionou a ponta dela no choque apertado entre eles, um estranho violento e quente exigindo passagem.

Dionísio abriu a boca para ele.

Apolo agarrou não somente a totalidade do pescoço delicado do deus moreno como a sua cintura, espremendo o tecido fino e negro entre os dedos, apertando os músculos suaves por baixo dele, e puxou o pequeno para mais perto, numa pressa irracional e imprudente. Dionísio enlaçou o pescoço dele com os braços, agora envolvido no aperto cálido e rígido do seu colo, o peito liso e imberbe esmagado contra o tórax lotado de músculos, emitindo uma quentura febril.

O Sol explorou aquela boca como se fosse o destino da sua vida. Varreu-lhe o céu cheio de textura, deixando nele cócegas lascivas. Desbravou lhe o interior das bochechas macias. Deslizou pela parte de trás dos seus dentes. Trançou a língua dele com a sua. A língua dele era um pedacinho do Elísio: pequena,
cálida e submissa. Se movendo a regência imperiosa do deus da música, acatando seus compassos firmes e passeando por suas notas autoritárias, dançando com ele como ele bem queira.

Apolo estava tonto. Seu corpo já não existia mais de tão leve, a não ser onde o deus das orgias lhe tocava distraidamente a pele. Nesses lugares, a cútis vibrava como se atingida por agulhas envenenadas de desejo, micro-raios de Zeus eletrizando-lhe até as moléculas. Nunca antes de sentira tão perdido e tão achado ao mesmo tempo, tão alto e tão baixo, tão certo e tão errado, no controle e sem controle.

BacanalWhere stories live. Discover now