LUTA COM A MENTE

27 6 23
                                    

O homem do espaço ainda estava em cima do trono. Seus sentimentos agora encontravam-se muito bagunçados, indo de um lado a outro da mente. O ódio ribombava, a língua passava em cima dos lábios avermelhados. Todos aqueles corpos davam-lhe prazer, mas uma estranha voz tentava gritar dentro dele.

Era a voz da razão e da justiça, ainda viva em seu DNA. De alguma forma, permanecia ali, mesmo que extremamente fraca. Zayan ia notando aquela força crescer, até transformar-se num berro. O impacto foi tamanho, que o homem do espaço colocou ambas as mãos na cabeça, buscando dissipar aquilo.

— Deixe-me em paz! — berrou.

De repente, começou a debater-se, e caiu do trono, chacoalhando-se no solo. Os olhos castanhos fechavam-se para o céu, o qual já clareava com as primeiras luzes do dia.

Foi então, que dentre esse conflito interno a assolar o guerreiro, ouviu-se passos ao longe. Zayan podia escutá-los, mesmo que extremamente assolado pela energia de seu cérebro. Com muito esforço, ergueu-se, olhando para o horizonte.

Ali, acompanhado do sol amarelado, o grande exército de Walros e Fenir avançava. Zayan sobressaltou-se, pois notou dentre aqueles guerreiros criaturas que ele jamais vira anteriormente. Os trolls moviam-se feito imensas estátuas vivas, enfeitiçados pela magia terrível de Fenir. As íris dos olhos dos bichos tinha uma cor esverdeada, indicando o domínio da magia sobre suas mentes.

O homem do espaço sabia que eles vinham em direção da vila, para destroçar todos que nela existiam. Porém, encontrariam ali nada mais que morte. Contendo os espasmos dos músculos, Zayan moveu-se para se esconder, e o fez dentre várias cabanas caídas.

Cerrando os dentes para não gritar com a dor que lhe percorria os nervos, o guerreiro permaneceu agachado, aguardando. Walros não demorou a chegar, e a observar o ambiente. Logo que tomou consciência do ataque que havia assolado o local, ficou surpreso, imaginando o que teria acontecido. Voltou-se para Fenir:

— Você enviou servos aqui, antes de chegarmos?

— Por que eu faria isso? — disse o velho. — Estou seguindo o plano que combinamos, e jamais me separei de ti.

Walros sorriu, como se concordasse com o que ele dissera. Porém, em seu interior uma chama de raiva acendia; suspeitava que Fenir mentisse, e estivesse utilizando deste artifício para conquistar mais vilas antes dele. Afinal de contas, o duende não sabia quantos mais daqueles esqueletos horrorosos podiam se esconder nas sombras. O feiticeiro o teria mesmo traído?

Engolindo as indagações e emoções agressivas, o chefe dos duendes manteve-se calmo, e pediu a seus homens que saqueassem todos os corpos. Eles assim o fizeram, e logo partiam da região, rumo à próxima vila do povo de Alice.

Zayan observara a tudo com olhares aguçados, e agora saía do esconderijo. Seus membros tremiam levemente, só de pensar que aqueles homens terríveis desejassem lhe roubar os domínios que eram dele por direito. Tinha de se mover, e detê-los o quanto antes; mas precisava de ajuda, fosse ela obtida por meio da coerção ou convencimento. Lembrou-se de Levi, o qual socara na cara.

Considerou que ele lhe seria de grande serventia, então saiu da vila, embrenhando-se na floresta atrás dos rastros daquele guerreiro.

O homem do espaço, enquanto caminhava, ainda retinha o embate dentro do coração. Alguma coisa o fazia arrepender-se de ter matado toda aquela gente inocente. Ele não sabia que coisa era essa; na verdade, consistia-se no instinto moral que possuía no próprio sangue, e que jamais o abandonaria, independente da crueldade que houvesse realizado.

Com tais intenções um tanto quanto ambíguas, Zayan prosseguiu mata adentro, seguindo os rastros dos companheiros que a pouco abandonara. Demorou vários dias e noites no processo, até finalmente achá-los, a caminho da vila.

Levi ia adiante de Alice, com a espada segura nas duas mãos, enquanto a soberana atentava-se aos sons da floresta, com os olhos bem abertos. Ao vê-los, o homem do espaço estancou, dominado por estranhos sentimentos. Enxergava neles simpatia, mas também o ódio que o fizera matar tantas pessoas. Por conta disso, respirou fundo antes de saltar da moita em que se escondia.

Ao perceberem Zayan, os dois aventureiros deram um salto, completamente perplexos. Alice gritou-lhe palavrões, e Levi manteve-se calado. Ainda se lembrava do soco no queixo, ferimento que por sinal não se tinha sarado por completo.

Mas o homem do espaço foi vagaroso, e logo deixou de lado as armas que trazia na cintura. Depositou-as no solo, e se pôs a explicar-se. Disse-lhes que se arrependia muito de tê-los abandonado; que uma estranha fúria o havia dominado, impelindo-o a caçar na floresta. Entretanto, após saciar sua sede de sangue matando animais e outros seres do mato, acalmara-se, e decidira voltar para os amigos.

Após a explicação, Alice veio abraçar-se a ele.

— Como pôde fazer isso conosco?! — exclamou, sacolejando em seu peito.

Zayan a respondeu lhe acariciando o cabelo; uma leve gota de arrependimento encheu seu coração, por saber que fazia tudo aquilo para depois traí-los e matá-los, em nome de sua supremacia.

Levi, entretanto, manteve os olhos fixos no guerreiro; não conseguia entender como alguém mudara de ideia tão de repente, e retornara para os semelhantes num espaço de tempo curto. Mesmo assim, sua admiração por Zayan era tamanha, que logo abraçou-o também, desculpando-o pelo golpe dado.

Os três, dessa forma, se reconciliaram, e o homem do espaço contou-lhes o que vira Walros e Fenir fazerem. Disse-lhes que tinham atacado a vila de Alice, e matado todos os seus súditos. Ao som daquelas palavras, a soberana tombou o queixo, completamente desolada. Culpava-se pelo que tinha acontecido; pelo abandono em que deixara seus homens.

Mas eles não se podiam deixar abalar. Precisavam impedir Walros de ir em direção às outras vilas, e dar a elas o mesmo destino que dera à primeira.

Por isso, aprontaram-se, afiando as espadas e fazendo lanças. Quando finalmente estavam prontos para partir, e Levi e Alice encontravam-se à frente da trilha, Zayan deixou-se esboçar um sorriso. Os dois caíram como patinhos na armadilha; o ajudariam, e quando não fossem mais necessários, seriam descartados. O coração berrava em seu peito, sedento pela glória que o esperava ao tornar-se rei.

ZAYAN DO ESPAÇOWhere stories live. Discover now