Capitulo 1

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                                 Liya.

Uma vez a minha mãe disse que a criança que não sabe ler, é descartável. Que ela não tem valor, não para o mundo. E isso alugou um triplex na minha cabeça. Desde então, ocupei-me em ler. Todas as terças-feiras eram baseadas em comprarmos livros, de qualquer gênero. Esse era o nosso ritual: encher a nossa estante de livros, com diferentes tópicos e gêneros.

Todas as noites a minha mãe e eu sentávamos perto da lareira, fazíamos um sorteio de algum livro que parecia ser legal somente pelo título e líamos, líamos por horas. Às vezes quando ela não podia, ela me entregava a nossa "chave secreta" e me permitia ler.

A nossa chave secreta era composta por uma só palavra: imagine. Imagine o seu mundo virar de ponta cabeça ao concluir uma história. Imagine os novos pensamentos, a sua nova visão do mundo após ler. Então, todas as vezes em que eu queria ler, a minha mãe sussurrava docemente em meu ouvido: "Imagine, filha."

E para mim nunca foi um sacrifício. Eu adorava as nossas terças-feiras, adorava ler e adorava ir à cafeteria às sextas para que assim pudéssemos debater tudo que aprendemos.

A minha mãe morreu em uma sexta-feira. E desde então, não vou mais a nenhuma cafeteria. Detesto e repugno a ideia de ter que ir, porque lembro dela, e lembrar dela dói. Lembrar da minha mãe, machuca.

Prefiro encontrá-la nos livros. Desenvolvi uma compulsão por livros. Compro todos os livros que vejo. Sou colecionadora.

Atualmente, estou lendo um dos livros da Sabrina Jenkins. Estou na metade do livro. São poemas, poemas que dilaceram e nos fazem refletir. Sinto paz ao ler as obras de Sabrina; nelas encontro a paz que sentia com a minha mãe. Tenho certeza que ela iria adorar ler comigo. Sinto saudade. 

Meu pai bate à porta, e ao me ver, sorri. Estou com um livro em mãos, deitada na antiga poltrona da mamãe. Tenho certeza que sou o próprio retrato dela, afinal, os seus olhos brilham ao me ver.

— Vim te chamar para tomar café com o papai, mas você está lendo e eu não quero atrapalhar. - Ele diz, calmamente.

Mal sabe ele que adoro quando ele me atrapalha, que o amo ainda mais quando ele me tira do transe. Eu adoro ler, mas na maioria das vezes em que decido ler, eu penso na mamãe. E pensar nela me destrói, porque imagino como seria a vida se ela ainda estivesse aqui comigo. Mas ela não está, ela nunca mais estará. A minha mãe e eu não passamos de memórias inconsoláveis.

Meu pai se aproxima de mim, senta-se sobre o braço da poltrona e decide ler um pouco comigo. Enquanto ele lê ao meu lado, seus dedos acariciam meu cabelo. E eu quase adormeço.

Momentos assim me tiram da prisão em que vivo há 5 anos.

— Precisa jantar antes de decidir dormir, filha. - A voz do meu pai ressoa como um calmante. Ela está longe, mesmo que perto de mim. — Fiz a sua comida favorita.

Abrir os olhos, neste momento, me parece uma tarefa impossível. Resmungo, sentindo o livro sobre o meu corpo. Meu pai guarda o livro na estante e me pega no colo. Sou carregada até à mesa de jantar, onde ele me senta e eu me debruço sobre ela.

A verdade é que desenvolvi depressão logo após a morte da minha mãe. Sentia-me perdida, como se tivessem me lançado de um prédio de 20 metros de altura. A adrenalina percorria meu corpo, mas eu não sentia nada. Não chorava, não comia, não vivia. Sobrevivia apenas com o auxílio de remédios controlados prescritos pelo meu psiquiatra durante dois anos.

E então o meu pai se refez, deixou a sua dor de lado para cuidar da sua filha. Deixou de sentir para sentir por mim. Deixou de viver. O meu pai largou o seu emprego para cuidar da sua filha depressiva. E eu me culpo, até hoje, por isso. Apesar de que hoje em dia ele está em um emprego de home office, o que permite que ele esteja sempre comigo.

Quase Confidencial - ROMANCE SÁFICO Where stories live. Discover now