4 - Quais as possibilidades?

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Abbadon Macedo

Dois dias se passaram desde que me envolvi com Lilith, se é que este é o seu nome verdadeiro.

Por mais que tenha ficado puto com o fato de ela ter feito o que fez acompanhada, não consegui parar de pensar nela por um minuto. Talvez isso esteja acontecendo porque estava há muito tempo sem me envolver com alguém, entretanto, a verdade é que Lilith alugou um grande espaço na minha cabeça.

Espreguiço o corpo, sento na cama e observo o quintal da minha casa pela janela de um dos quartos de hóspedes. O mais espaçoso e aconchegante, já que é onde costumo dormir. Nunca gostei de casa grande, mas Gaia sempre fez questão, então construímos uma assim que as coisas começaram a dar certo em relação à Néctar. Na verdade, eu paguei. Ela apenas usufrui.

Respiro profundamente e passo as duas mãos no rosto. Minha vida afetiva é uma merda! Às vezes penso que deveria seguir o conselho de Azazel e simplesmente pedir o divórcio, apesar das consequências. Só que sou um homem tão ocupado que só de pensar em toda a burocracia, adio tal decisão.

Tomo uma ducha rápida, faço minha higiene matinal e coloco apenas uma bermuda. Estamos no verão e, porra, o Rio de Janeiro é uma cidade encantadora, mas simplesmente parece que abriram os portais do inferno, de tão quente.

Sinto minha barriga roncar e percebo que já se passou das 11 horas. Me dei ao luxo de dormir até tarde, afinal, hoje é domingo. Então desço as escadas e percebo uma movimentação fora do comum entre a cozinha e a sala.

De repente Gaia sai da cozinha enquanto fala no celular e me encara de cima a baixo. Ela coloca a mão no alto-falante e fala com desdém.

— É assim que você vai receber sua nora? — Balança a cabeça negativamente. — É por isso que Gabriel não quis trazê-la antes, porque o pai age igual a um adolescente descompromissado.

Ergo uma das sobrancelhas e cruzo os braços. Abro a boca e fecho algumas vezes antes de dar uma resposta à altura.

— Nora? Descompromissado? De que porra você está falando? — Questiono, totalmente alheio ao assunto.

— Não se faça de sonso, Abbadon. Gabriel não falou que a tal da Ruby viria hoje? — Ela segue com a mão no alto-falante do celular.

— Ele falou para você, Gaia! Estou totalmente alheio a almoço de família. — Respondo revoltado. — Provavelmente com a intenção de que me contasse! Isso porque esse moleque é um ingrato, que ganha tudo o que quer e se recusa a falar com o pai. — Massageio as têmporas. Gaia sorri.

— Pelo visto, depois de tanto tempo, virei a favorita. O jogo virou.

— A menos odiada, Gaia. — Respondo, ainda puto. Esse moleque é um mimado, a verdade é essa.

Antes que Gaia pudesse responder, Gabriel aparece na sala. Ele, que está arrumado e perfumado, me encara de cima a baixo, balançando a cabeça negativamente.

— Abbadon, você tem 39 anos, não 29. Pare de dar uma de garotão e, por favor, coloque uma roupa decente para receber Ruby? Por isso que, em cinco anos de namoro, nunca lhe apresentei a ela. — Seu tom de voz é raivoso. Gaia volta a falar no telefone e se afasta de nós dois. Ela sempre faz isso quando percebe que alguma discussão vai acontecer.

— Cinco anos, Gabriel?! — Não consigo esconder a minha surpresa. — Sente tanta vergonha assim dos seus pais, aqueles que abdicaram de tanta coisa por você?!

Gabriel ri com desdém e aponta para o meu abdômen desnudo.

— Abdicou de que? Desde que me lembro, sempre tentou competir atenção comigo, pai. Se faz de garotão. — Ele sorri. — Está assim por quê? Quer chamar a atenção da minha mulher?

Dou uma risada sincera após achar um verdadeiro absurdo o que meu próprio filho acabou de falar. Competição? Porra!

— Você só pode estar louco, Gabriel. Eu deveria cortar essa sua vida mansa, para que aprenda que, na verdade, quem compete contigo é a vida, não eu.

Gabriel dá um passo à frente, demonstrando certa agressividade. Entretanto, antes que ele tome alguma atitude idiota, a campainha toca.

— Apenas vista uma roupa, por favor. — Seus olhos faíscam de ódio e eu o encaro firmemente.

— Essa conversa ainda não acabou, Gabriel. É inadmissível você me tratar dessa forma, alguém que nunca mediu esforços para te dar essa vidinha de playboy. — Afirmo entre dentes e dou de costas.

Inconformado com a breve discussão que tive, começo a subir degrau por degrau, batendo os pés. A sensação de revolta muda para nervosismo quando ouço uma voz feminina e aveludada um tanto quanto familiar.

Todos os pelos do meu corpo se arrepiam, me fazendo paralisar no meio da escada. Reflito durante um longo minuto se devo virar ou não, até que viro para trás e vejo a última pessoa que imaginei rever nessa vida.

Lilith. Ou melhor... Ruby.

Não, isso não pode estar acontecendo. Isso só pode ser um pesadelo. Estava há anos sem ceder às tentações e transar com alguém, e quando me permito viver, faço isso justamente com a droga da namorada do meu filho.

Todo o meu corpo estremece quando percebo que, não, não estou sonhando. Neste momento, Lilith, ou Ruby, está abraçando e dando um beijo na bochecha de Gaia. Puta que pariu, que desespero do caralho.

Pior ainda é imaginar que, no dia em que nos envolvemos na Néctar, ela estava acompanhada por Gabriel. Eu realmente sou o pior pai do mundo, que inferno.

Apenas percebo que estou tempo demais parado na escada observando a cena quando Gabriel chama a minha atenção.

— Pai, será que o senhor poderia subir logo e colocar uma roupa? Quero que esteja decente para poder lhe apresentar a mulher da minha vida.

Gabriel encara a namorada com um grande sorriso no rosto, enquanto só agora ela percebe minha presença. Ruby arregala os olhos o máximo que consegue ao me perceber na escada. Seu rosto pálido ganha um tom avermelhado por conta do constrangimento.

Assim como eu, ela ficou tomada pelo nervosismo. Engulo em seco e, fazendo o possível para ignorar a presença da garota, encaro meu filho.

— Já estou indo, eu só estava... hã... beleza. — Viro as costas e subo rapidamente os degraus, ansioso para sair daquela situação constrangedora que só eu e Ruby estávamos entendendo.

Caminho rapidamente até o quarto principal, onde estão as minhas roupas, e tranco o cômodo. Em seguida, recosto o corpo na porta e escorrego até o chão.

— Caralho, isso não está acontecendo. — Falo comigo mesmo. — Quais eram as chances!? — Olho para cima, angustiado. — Está de sacanagem, não é? — Massageio as têmporas e, em seguida, levanto para me vestir.

O melhor a se fazer agora é me arrumar, me fazer de sonso e acabar com a tortura que é estar no mesmo ambiente que a mulher que tem ocupando grande espaço na minha frente, só que agora ciente de que ela é simplesmente a namorada do meu filho.

Néctar - PAUSADAOnde histórias criam vida. Descubra agora