19 - Quem é o pai?

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Abbadon Macedo

— Deixe-me ver, Ruby. Você descobriu a gravidez e simplesmente não falou NA-DA?! — Mantenho a postura firme e aumento o tom. — E pior: simplesmente NÃO SABE QUEM É O PAI?!

Admito que meu coração quase saiu pela boca ao ver a minha cópia criança correndo pela sala. Agora, com ele dormindo no colo de Ruby, as semelhanças são ainda mais visíveis.

Seus traços são parecidos com os meus, assim como com os de Gabriel. Mas não poderia ser diferente, afinal, somos pai e filho. Ou seja, não é tão fácil distinguir a quem pertence a paternidade dessa criança.

Entendo que Ruby tenha ficado com medo da criança sofrer retaliações, ou ela mesma, entretanto, da minha parte, jamais aconteceria. Teria me disposto a fazer um teste de DNA e, caso positivasse, assumiria a paternidade. Não sei como eu e Ruby estaríamos agora, não tenho como prever um novo presente baseado em modificações do passado, mas posso garantir que tudo seria muito diferente.

Contudo, agora, depois de três anos, as coisas estão muito mais complicadas. A vida dos três envolvidos nisso tomaram rumos diferentes, então não sei o que poderia acontecer quando todos ao nosso redor descobrissem a verdade sobre o que aconteceu naquele verão.

— Primeiramente fala baixo, senão vai acordar o meu filho. — Ruby me fuzila com seus olhos negros e raivosos. Sua energia caótica continua a mesma. Ela continua igual àquela mulher de três anos atrás, o que é um verdadeiro perigo. — Segundamente, sim. E não faça com que eu me arrependa de estar aqui. Além das cicatrizes psicológicas que poupei ao Caim, também garanti que sua relação com o seu filho permanecesse em plena construção. — Explica a eu bufo.

— E me tirou o direito de ser pai novamente?! — Rebato e ela sorri de deboche.

— Como tem tanta certeza? — Ela começa a cochichar. — Lamento lhe dizer que não transei apenas com você naquela época. Eu e seu filho também o fizemos.

Não sei com ele, mas comigo, você fodeu sem camisinha à luz do luar, numa praia de Búzios. Ou você esqueceu? — Percebo o rosto de Ruby ganhar um certo tom de vermelho após a minha fala. — Sem contar que o nome dele é bem sugestivo.

— Eu não tenho certeza. Independentemente de Búzios, assim como pode ser seu filho, também pode ser de Gabriel. — Ruby evita me encarar nos olhos.

Quando ela menciona o nome de Gabriel, a porta se abre subitamente, revelando-o de maneira surpreendente. Eu e Ruby nos encaramos em choque. Porra, não está preparado para tantas emoções em tão pouco tempo, principalmente se levando em consideração o fato de que não tenho ideia do quanto ele ouviu dessa conversa.

Gabriel, ostentando de uma expressão contrariada, posiciona as mãos na cintura e nos encara fixamente, já preparado para dar início a uma discussão, o que aumenta ainda mais o meu nervosismo.

— O que é meu? — Seu tom de voz ainda é ríspido, contudo, sua feição muda quando nota quem é a mulher na sala. — Ruby? O que você está fazendo aqui?! — Ele percebe a presença de Caim no colo dela. — Que criança é essa?!

Assim como eu, Ruby fica totalmente sem reação a priori. Não esperávamos, de forma alguma, a presença dele agora. Na verdade, acho que ela sequer se preparou para contá-lo que existe alguma dúvida em relação à paternidade de Caim.

— Vamos Ruby, fale alguma coisa! Eu preciso de alguma resposta sobre isso! — Gabriel se aproxima, agacha ao lado da ex-namorada e começa a observar o rosto do pequeno. — Porra, não tem como negar que essa criança seja minha. — Ele ergue a cabeça para Ruby. — Por que fez isso?! Por que não me contou?! — Sua pergunta carrega desespero em excesso e eu noto que Ruby fica acuada diante da situação.

A garota me encara pelo canto dos olhos. Ao mesmo tempo que Gabriel está desesperado por alguma resposta, Ruby apresenta o mesmo sentimento para fugir desse beco sem saída.

Assim que Ruby entrou por aquela porta com esse garotinho que mais parece um furacão, já tinha em mente que passaríamos por um verdadeiro caos, independente de qual rumo a conversa seguisse.

Isso poderia tomar dois caminhos. Ruby poderia saber ou não a paternidade de Caim. Ambos seriam difíceis para lidarmos. E agora, para piorar, descobrimos uma terceira via: sermos pegos de surpresa debatendo o assunto.

Pelo visto, terei que lidar com a fúria do meu filho sem qualquer preparo. E eu crente que hoje seria apenas mais um dia comum.

Respiro profundamente e, assim que estava prestes a falar algo, Ruby toma a palavra.

— Você me traiu mais de uma vez. Que tipo de pai seria para essa criança?! Decidi fazer tudo sozinha. Só que, agora, Caim já tem três anos e pergunta sobre seu pai. Não posso mais omitir essa parte de sua vida. Eu não o fiz com o dedo. — A garota fala e eu arregalo os olhos, incrédulo com o fato dela simplesmente me excluir da equação.

Entendo seu receio pela reação de Gabriel, pois ele tem picos de estresse. Esse é um dos sintomas do borderline. Mas isso não justifica o fato dela decidir, mais uma vez sozinha, me tirar disso, como se eu não me importasse caso a paternidade seja minha.

Obviamente seria um baque, contudo, independente disso, receberia essa criança com todo o meu amor.

— Então você resolveu vir contar primeiro para o meu pai? — Gabriel rebate irritado e Caim geme por conta do barulho.

Fale baixo, o dia foi estressante para ele. — Ruby pede em um cochicho. Gabriel assente. — Vim pedir ajuda sobre como preparar o terreno para assumir meu erro de ter omitido algo tão importante durante tanto tempo. Fui egoísta e escrota, deixei meu rancor e receio ultrapassarem o bom senso. — Ela fala enquanto me encara. Já ainda não consigo acreditar nessa nova confusão que ela está me metendo.

— Nós precisamos conversar sobre tantas coisas, Ruby. Muita coisa mudou nesse meio tempo. — Gabriel afirma e ela levanta com o pequeno no colo.

— Não vim pedir para reatar relacionamento com ninguém, nem tentar algo novo. Há três anos, quando descobri que engravidei fora de um relacionamento sólido, percebi que o sonho de família de comercial de margarina jamais se realizaria. — Seu tom é ríspido. — Apenas estou aqui para garantir os direitos do meu filho. — Ruby pontua. — E por hoje chega. O meu número é o mesmo. Me ligue caso precise me encontrar. Vou passar alguns dias na cidade. — Afirma, vira de costas e vai embora sem se despedir.

Assim que a porta se bate, Gabriel me encara e, em estado de choque, afirma.

— Eu não sei o que fazer. — Seu rosto é quase inexpressivo, com excessão aos olhos arregalados.

— Eu também não. — Nunca fui tão sincero em relação à Ruby quanto agora.

Néctar - PAUSADAWhere stories live. Discover now