17 - Três anos depois

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Abbadon Macedo

Contratos para assinar. Reuniões seguidas de reuniões. Problemas para resolver. Gestão de crises. Queria, do fundo do coração, que ser empresário não se passasse de ser o rosto dos negócios, mas vai muito além disso, o que suga a minha alma.

Não tenho tempo para sair com Alane, minha namorada. Estamos há um ano juntos e apenas conseguimos manter este relacionamento porque ela é a minha secretária pessoal. Caso contrário, tenho certeza de que já teríamos terminado. Se Alane já reclama da falta de atenção que recebe agora, quem dirá se não convivêssemos diariamente.

Sim, eu poderia dividir melhor minhas atividades com Azaziel, ou com algum de nossos acionistas. Entretanto, meu irmão lida melhor com a parte financeira e, em relação ao restante, confio muito mais em mim. O único momento que entreguei a responsabilidade nas mãos de outra pessoa foi quando precisei estreitar os laços com o meu filho há três anos, quando, em um lapso de loucura, acabei me envolvendo com a então namorada de Gabriel, Ruby.

Foi ela que me despertou para a realidade. Foi Ruby que me fez entender que, o que eu vivia ao lado da minha ex-esposa, na verdade, era um inferno. Foi uma garota de 24 anos que me despertou daquele pesadelo e me fez tomar coragem de pedir o divórcio. Fato é que, independente do motivo, Gaia não gostou nem um pouco de perder seus privilégios. Definitivamente não foi um processo fácil.

Inicialmente, ela negou porque sabia que não teria qualquer direito sobre a rede de boates que construí ao lado de meu irmão. A Néctar foi feita sob suor e lágrimas. Nosso suor e nossas lágrimas. Ela apenas se aproveitou do lucro por 23 anos, o que, na minha visão, foi o suficiente.

Para evitar maiores aborrecimentos, entreguei algumas ações de investimentos que fiz à Gaia, mas, para ela, aquilo não era suficiente. Ela queria mais. Ela queria a porra da minha alma.

Mas não arreguei, como faria antes de Ruby. Estava decidido e, porra, foi a melhor coisa que fiz por mim. O problema é que Gaia jurou que arruinaria minha vida, nem que fosse a última coisa que fizesse antes de morrer. Ela, inclusive, atenta a droga do meu juízo semanalmente. Alane já está até acostumada. É claro que ela saiu da casa de onde morávamos. Foi comprado com o meu dinheiro suado. E o local, vez ou outra, vira ponto de arranca rabo, porque minha namorada não é de abaixar a cabeça, não.

A questão central não é a atitude lamentável da minha ex-esposa, mas sim a gratidão que tenho por Ruby, que me ajudou a perceber o abismo em que eu estava me afundando. Inclusive, vez ou outra, me pergunto como anda sua vida. Desde a transa na praia de Búzios, a qual ninguém nunca ficou sabendo, nunca mais nos vimos.

Para aumentar ainda mais minha curiosidade, Ruby me bloqueou em todas as redes sociais alguns meses após se mudar para Cabo Frio. Nunca soube por que, pois, assim como eu, senti que ela também teve uma conexão especial naquela noite. Mas, querendo ou não, foi o melhor a se fazer. Afinal, se meu filho descobrir sobre nosso envolvimento, tudo o que construímos nos últimos anos terá sido por nada.

Gabriel ficou muito abalado após Ruby ir embora. Ele reconheceu suas atitudes erradas e começou terapia para entender o motivo de ser um verdadeiro filho da puta.

A verdade é que Gabriel estava reproduzindo tudo o que ele viu a mãe fazer durante a infância. É triste perceber como alguns pais podem estragar seus filhos com atitudes tão ruins. Mas, pelo menos, ele focou em correr atrás do prejuízo.

Hoje, posso dizer que meu filho amadureceu de verdade e tornou-se um homem. Infelizmente foi necessário passar por esse choque para perceber que não se pode machucar alguém esperando que essa pessoa volte por amor.

Agora ele está quase terminando a faculdade de psicologia e é um dos astros do time de basquete da faculdade. Tornou-se o meu verdadeiro orgulho. O meu e o de Azaziel, que tem me ajudado a segurar a barra. Isso porque, durante os tratamentos psicológicos, meu filho foi diagnosticado com borderline. Isso explicou muitas de suas atitudes impulsivas.

Borderline é um transtorno de personalidade marcado por instabilidade emocional intensa. Quem tem borderline muitas vezes age impulsivamente, sem pensar nas consequências. As relações pessoais são um campo minado, com altos e baixos extremos, e a pessoa pode ter uma imagem distorcida de si mesma. Além disso, há uma tendência a ações extremas para evitar abandono real ou imaginário. Não é raro que alguém com borderline sofra com sentimentos de vazio, raiva incontrolável e até pensamentos suicidas. Ainda assim, com o tratamento certo, que geralmente inclui terapia e, às vezes, medicamentos, é possível ter uma vida mais equilibrada.

A amizade de Azaziel tem sido essencial para mim. Sou muito grato por tudo e sei que nunca vou conseguir recompensá-lo suficientemente. Desde o meu divórcio, até o momento em que Ruby foi embora e meu relacionamento com Alane, o apoio dele foi e continua sendo muito importante.

O relacionamento dele com Anne poderia ter durado mais, mas ela decidiu seguir sua amiga para Cabo Frio. Naquela época, ele também ficou chateado, o que foi surpreendente, porque meu irmão geralmente não fica assim por ninguém. Mas nos ajudamos a superar aquele momento difícil e logo Aze já estava com outra pessoa. Ele sempre faz isso.

Mas, no fundo, de todas as pessoas com quem ele se envolveu depois do divórcio, sei que Anne foi a única que realmente mexeu com ele.

Estava terminando de ler o último documento do dia, feliz por estar quase saindo do escritório para ir ao apartamento que divido com Alane. Meu coração batia rápido, ansioso para tomar uma cerveja grande e passar a noite com minha mulher. Estava prestes a assinar digitalmente o documento quando meu telefone tocou. Era ela.

— Oi amor, já estou acabando! — Falo sem esconder o tom alegre em minha voz.

Infelizmente nossos planos serão adiados por alguns minutos, ou horas. — A voz de Alane é séria, o que faz meu coração errar a batida. Será que aconteceu algo?

Certas coisas são imprevisíveis quando o assunto é a Néctar. Um exemplo disso foi a construção de nossa filial em Búzios. Demoramos meses até que a prefeitura concedesse a bendita permissão para que levantássemos a estrutura no terreno que havíamos comprado. Por mais que tudo estivesse correto, por ficar próximo de uma área ambiental, tinha muita burocracia a ser resolvida. E, quando recebemos o aval, eu e Alane estávamos em uma breve viagem na Bahia.

Não costumamos passear juntos, justamente pelos motivos que explanei. Mas, depois de muito custo e organização, tiramos cinco dias para isso. O aval foi dado logo no segundo. Resumidamente, precisamos retornar na mesma hora.

— O que aconteceu? — Pergunto sério.

Tem uma mulher louca aqui com uma criança, dizendo que se não deixar ela entrar, vai quebrar tudo. Ela tá bem agressiva. Chamo a polícia ou deixo ela entrar? — Ele pergunta de volta.

Uma mulher com uma criança?! Como ela entrou na Néctar, que absurdo é esse?! Será que é uma pedinte?

— Qual o nome dela?! — Começo a ficar com raiva. Por que essas coisas apenas acontecem no fim do meu expediente?

Ela diz que é... Ruby Alves. E afirma que te conhece. Deixo entrar? — Alane pergunta e meu corpo gela por inteiro.

Por que diabos Ruby apareceu aqui depois de três anos? E ainda com uma crian... De repente, uma ideia muito louca surge em minha mente. E se for meu?!

Não, não pode ser.

Um nervosismo fora do comum preenche todo o meu corpo. É como se o mundo parasse e, porra, se isso se proceder, eu definitivamente vou querer que pare.

Para que eu possa descer.

Abbadon!? A mulher tá puta aqui! — Alane fala entredentes.

— Mande entrar. — Declaro, termino de colocar a porra da assinatura digital no documento e desligo o computador, já preparado para a merda que está por vir.

Néctar - PAUSADAOnde histórias criam vida. Descubra agora