14 | Mães sabem

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Jimin

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Por muitas vezes, comparei essa sensação àquele momento inicial em que você percebe estar vivo, consciente de ser uma pessoa. Num piscar de olhos, aos onze anos, me vi diante da tarefa de me localizar em um vácuo. Compreender o que significava gostar de homens e o impacto disso no mundo foi tarefa menos árdua. Sinto, lá no fundo, que meu pai me ama, mas não consegue me gostar. Da mesma forma, acredito que ele tem conhecimento de mim, mas se agarra desesperadamente a qualquer fio de esperança para tornar o cenário menos trágico, porque sabe que o cenário é inalterável.

Eu não consegui odiar meu pai, então comecei a me odiar.

Em 1983, fui ao Reino Unido com um histórico acadêmico excepcional e um sobrenome que me garantiria viver bem. Meu pai costumava me chamar de "herói" quando criança, mas tudo que recebi quando disse que cursaria Letras não passou de silêncio. Às vezes, o nada podia doer mais do que tudo. Me culpei por ter crescido, e, aos dezessete anos, largado em uma Universidade regada a gigantescas bibliotecas e tentações alcoólicas, questionei se existir valia tanto a pena se você fosse um garoto gay naquela década.

— Shakespeare é muito superestimado.

Foi a primeira vez que ouvi Noah Allan.

Em uma ida casual à biblioteca do bloco acadêmico de humanas, estantes envernizadas se erguiam como deuses do Olimpo. Vê-lo, mesmo a uma distância modesta, me fez associá-lo a um semi-deus. Cabelos ruivos desdobrando desde a raiz, sardas salpicadas no rosto, um olhar tão verde quanto a mata, e uma estrutura que parecia como arte plástica.

— É só... Clássico — eu tinha dito, enquanto desviava o olhar e fingia procurar alguma coisa na prateleira. Hamlet, Romeu e Julieta, Júlio César, Macbeth, qualquer coisa que me tragasse para estrofes em vez de me tragar a Noah Allan.

Ele tinha se encostado na estante, como se fosse um vão.

— Você é alguém que costuma apreciar somente os clássicos?

Eu tinha rido daquilo.

— Você conhece Clarice Lispector?

Ele se rendeu, bem-humorado.

— Tenho certeza de que posso gostar tanto quanto Franz Kafka.

Sacudi a cabeça, me dando conta de que ele estava flertando.

— Já sabemos quem é o clássico de nós dois.

Eu tinha aceitado seu convite de ir a um bar situado na esquina de uma alfaiataria, um lugar que, a partir das dez da noite, atraía homens dos recantos mais sombrios da Inglaterra. Conversar com Noah sempre foi natural, como se ele já soubesse quem eu era sem sequer pronunciar uma frase inteira. Não foi surpreedente encarar o fato de que, com poucas palavras, ele conseguiu me levar para a cama na semana seguinte.

Ele não tinha me dito que éramos algo, mas eu sabia que éramos.

— Você não tinha me dito que sua fortuna era antiga — eu tinha dito, olhando a foto de seu tataravô pintada a óleo em um quadro, duque de alguma coroa.

— E isso torna tudo mais chato — Noah disse, me abraçando por trás. Pressionando atrás.

— Por quê? — Indaguei, concentrado no sentimento que seus lábios causavam na minha nuca — Soa interessante dizer que meu namorado é um marquês.

Eu tinha dito para saber como soaria aquela palavra na minha boca. Meu namorado.

Mas, principalmente, para saber como ele reagiria aquela fantasia. Estávamos trocando palavras e transando há meses.

REFLEXOS • jikook (1988)Where stories live. Discover now