15 | Chinatown

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Jungkook

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Nos dois primeiros segundos, desabei naquela pista, olhos cravados em um céu escuro que ameaçava despejar uma água violenta. Punhos cerrados, o sangue escorrendo entre meus dedos, era como queda livre. Algo destinado a cair, quer você o arremesse ao alto ou o deixe escapar das suas mãos. Com o rosto destroçado após uma briga, cuspir meu sangue me fez refletir que talvez ter dado e levado alguns socos naquela noite teria sido a opção mais sensata. Eu estava desarmado e, acima de tudo, sozinho.

Deixei algo escapar das minhas mãos, algo que eu nunca teria de volta.

— Aquele seu amigo negro, é uma bicha como você?

Oliver, um garoto que se achava por ter estudado o fundamental em rede particular, indagou para mim, que não pude deixar de sorrir. Ele queria me atingir?

— Você quer que eu te foda? Eu posso abrir exceções para brancos.

Outro soco de direita, aquele, me acertou em cheio.

— Você é nojento! Você deveria...

E eu não o deixei concluir porque esmurrei o seu nariz.

Senti seu osso estalar no meu dedo, um movimento que me fez me orgulhar por saber que tinha quebrado a cara dele também. De novo.

Seus amigos vieram por trás para me conter, agarrando meus braços como a polícia amava fazer em seu tempo livre por aquelas redondezas. Meu rosto inteiro ardia, por um momento pensei que pudesse derramar mais algumas lágrimas, mas foi uma gota fria de chuva que molhou minha pálpebra antes do estrondo de um trovão cortar o céu que, outrora, ostentava estrelas. Talvez Deus quisesse me ensinar uma lição por tanta estupidez em uma noite só, — talvez o Buda também.

— Se eu te bater mais um pouco, você não vai voltar a enxergar nunca mais!

— Não é como se ele tivesse o olho aberto o bastante para poder enxergar algo.

Um dos seus amigos tinha rido de um jeito estridente, nada mais engraçado do que fazer piada de traços étnicos. O que eles pensavam que eram? Donos da Sony? Filhos do Steve Jobs? O pai de Oliver vivia para cima e para baixo dentro daquele Corcel 76, fazendo a roda do sistema girar por migalhas no final do mês, enquanto o filho retribuía curtindo ser racista e homofóbico pelas ruas em 1988, onde um afro-americano disputava a corrida da presidência. Ele pensava que era uma grande coisa por ter nascido branco, e, parando para pensar, talvez houvesse razões para isso. Se ele estivesse dentro de um terno e falasse bonito, poderia ganhar a vida mais fácil que eu.

— Eu acho que, no fundo, vocês querem chupar o meu pau, mas não sabem pedir — eu disse, sem medo de perder mais nada.

Apanhei mais um pouco, depois um pouco mais.

Não me recordo de como fui parar na delegacia, talvez as lembranças se apagaram em meio às surras que levei. Num piscar de olhos, observava através da janela de um carro as luzes dançantes tingindo o pavimento, barras gradeadas me separando dos dois policiais no banco da frente, discutindo banalidades como se eu fosse invisível. De repente, eu já estava largado em uma cadeira giratória, com um homem de distintivo tão reluzente que ofuscava, me indagando alguma coisa que eu não conseguia ouvir.

Elevei a mão até a orelha, percebendo o calor pegajoso do sangue que impregnou minha palma. Agarrei o canto do ombro, soltando um grunhido diante da dor que passara despercebida até então. Provavelmente, um osso tinha saído do lugar.

Um ringue de telefone rompeu o silêncio, enquanto uma mulher de óculos secretaria, cabelos propositalmente desfiados, cheios de laquê e chiclete mascado, me observava por trás do balcão, seus olhos carregados de um tédio que me relegava à categoria de intruso. A certeza de que fui detido pela polícia se insinuou, a noite avançava além da meia-noite, meu pai provavelmente já se encontrava apreensivo, e a dolorosa constatação de que Jimin Park não caminharia mais ao meu lado a partir daquele momento me atingiu como uma lâmina afiada.

REFLEXOS • jikook (1988)Where stories live. Discover now