19 | Vitrola

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No mesmo dia, recebi a resposta do veterinário complexado consigo mesmo, me informando que eu já poderia começar a trabalhar no dia seguinte. Eu não estava preparado! Mas para pobres desprivilegiados como eu, não há opção senão aceitar as oportunidades que surgem, então segui adiante. Por sorte, a manhã estava suficientemente fria para que eu pudesse usar um cachecol e um casaco de camurça, ocultando a maior parte das minhas tatuagens que poderiam me custar aquela renda extra. Espero que meu patrão seja um grande fã do Freddie Mercury.

Saí saltitando nas escadas, pulando de degrau em degrau e arrancando um xingamento de Huang a cada lance. Beijei sua testa enrugada.

— Vou dar banho em cachorros, pai!

Assobiei alto para os filhos da Sra. Brown, acenei alegremente e saí riscando os pneus zerados no pavimento. Quase atropelei a lata de lixo, de novo.

O que Jimin estaria fazendo naquele momento? Deveria ter ligado mais cedo, mas quem sabe fosse seu pai a atender? Eu poderia fingir ser um consultor de telemarketing oferecendo planos de rede de internet, coisas que apenas os ricos possuíam mesmo. Ele deveria estar com a cara nos livros, batendo os dedos na máquina de escrever.

De qualquer jeito, eu o veria no final do dia.

Ouvindo o locutor da rádio balbuciar sobre as últimas notícias da corrida presidencial, os pneus giraram rápidos demais até Manhattan; e, num piscar de olhos, eu já estava na Quinta Avenida desacelerando o motor enquanto olhava as fachadas das lojas em busca de um Jins's Jin's Pet Shop. A clínica ficava na esquina da rua, um pouco escondida entre todas aquelas cafeterias e galerias, na parte menos movimentada da área.

— Jungkook, certo? — O dito cujo surgiu assim que abri a porta, fazendo a sineta entoar um trim-trim acima de mim. O veterinário era muito diferente do que eu esperava.

Seus lábios eram cheios, se encaixavam perfeitamente na jovialidade dos traços de seu rosto. As características étnicas gritavam à distância, como a resposta do porquê de seu sotaque ser tão forte. Pelo sobrenome, deveria ser um imigrante chinês.

— O próprio — apertei a sua mão, lhe entregando um sorriso nervoso. Ao fundo, latidos e miados.

Ele gargalhou de um jeito engraçado.

— Não precisa ficar tão enrijecido, rapaz — ele apontou, bem-humorado para às sete da manhã — Pelo jeito que seu namorado me contou, pensei que você fosse mais extrovertido.

Hein?!

— Jimin Park? — Questionei, não contendo a surpresa.

Ele assentiu, seu sorriso permanecendo radiante, sem nunca sugerir que pudesse murchar. Saber que eu e Jimin poderíamos ser vistos como um casal, sem qualquer falta de naturalidade, arrancou de mim um suspiro de alívio. Poderíamos andar de mãos dadas, trocar olhares carinhosos sem medo de julgamentos, e, embora isso fosse o mínimo, já que éramos como qualquer outro casal, me fez sentir uma profunda gratidão pela evolução de 1988 e pela mudança na mentalidade das pessoas ao nosso redor, incluindo a daquele veterinário complexado.

— O próprio — ele repetiu, ajeitando a barra da manga da camisa social azul-índigo, passando a caminhar pela clínica. — Ele me ligou bem cedo hoje, perguntando se você havia confirmado sua vinda. "Meu namorado faz tudo muito bem, mas não tem tantas habilidades sociais", ele me disse.

Você me paga, Jimin!

— Vamos dar uma volta? Irei começar lhe mostrando o lugar e explicando algumas das suas responsabilidades.

REFLEXOS • jikook (1988)Where stories live. Discover now