Capítulo 26

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"I hope you won't eve lie to me

And if you do, I know I won't be your cry baby"

[trecho da música cry baby de the neighbourhood]

GREGORY HOOVER

Encarei o cigarro entre meus dedos, soltando um suspiro de frustração.

Alguns velhos hábitos nunca morrem totalmente. Já faz algumas semanas que estava tentando ficar afastado de fumar, seja nicotina ou maconha. Principalmente nicotina. Havia lembrado que o pai da Audrey tinha morrido em decorrência do consumo de cigarros e estava tentando me manter longe.

Apesar do meu celular estar no modo silencioso, sabia que estavam fazendo uma ligação atrás da outra já que ele não parava de vibrar no meu bolso. Ao pegá-lo sorri ao ver o nome do Ethan no visor. Senti meus olhos queimarem novamente, ao lembrar como Ethan sempre esteve lá, em todos os momentos fodidos e incríveis da minha vida. Nós somos primos, fomos criados praticamente como irmãos, e era assim que nos víamos, como irmãos. Sou muito grato a ele, por várias coisas, mas principalmente por apenas estar lá. Só o fato de saber que posso contar com ele me aquece o coração de alguma forma. Porém naquele momento não queria conversar com ninguém da minha família.

Ao olhar o horário notei que já fazia algumas horas que havia saído da casa dos meus pais.

Passando pelas várias notificações de ligações perdidas encontrei algumas mensagens da Audrey. Óbvio que alguém entrou em contato com ela, provável que tenha sido o Ethan. Passei por umas cinco mensagens dela decidindo se iria dizê-la onde eu estava. Não respondi a pergunta se eu estava bem, apenas escrevi de volta o nome da praia que eu me encontrava.

Voltei a encarar o cigarro entre meus dedos, porra.

Olhei ao redor tentando localizar uma lixeira, assim que encontrei caminhei até ela e joguei fora os cigarros. Mesmo que Audrey não tenha comentado ou demonstrado um interesse direto em que eu parasse de fumar, ainda era algo que continuaria tentando.

Voltei a me sentar na areia, perto o suficiente pras ondas. Não queria pensar em nada, apenas deixar minha mente em branco. Nada lá. Só o som do mar quebrando o silêncio dentro de meus pensamentos.

Eu gosto das palavras na mesma proporção em que gosto dos números e esse era o único pensamento que deixaria entrar.

Não sei exatamente quanto tempo demorou, mas apareceu muitas horas até Audrey se sentar ao meu lado. O único som que nos rodeava era o barulho das ondas, crescendo, aumentando e morrendo. Morte. Tudo sempre termina em algum momento e a gente nunca está pronto para um fim.

— O Ethan me ligou e ele parecia tão sério que realmente pensei que alguém tinha roubado o celular dele e estava falando com um impostor — disse Audrey em um tom calmo. Sorri para ela. Foi fácil, não doeu nem nada.

— Imaginei que tivesse sido ele — falei sentindo a garganta arranhar um pouco, a voz saindo mais rouca que o normal. Sentia como se fizesse anos que não soltava um som.

— Ele te ama muito — ela disse.

— Também amo ele, Audrey. Só não posso ficar falando isso muito pra ele, vai subir à cabeça — brinquei na última parte. Ainda não tinha desgrudado os olhos do mar, ainda não queria encarar a garota ao meu lado. De alguma forma, por algum motivo que não entendia, me sentia envergonhado.

— Quando meu pai morreu doeu muito. Mas eu sentia que tinha que estar lá pela minha mãe, que ela iria precisar de uma força extra, sabe? E é engraçado porque ela agia da mesma forma comigo — ela disse, me fazendo encara-la e ver aquele sorriso triste em seus lábios. Às vezes fico triste porque já não lembro da voz dele como antes, no luto você se apega tanto às memórias e quando você sente que elas estão se apagando... dói tudo de novo, de outra forma. Então você se vê apegado às coisas físicas que te remetem àquela pessoa e não consegue deixar ir certas comodidades.

Smoked FlowersWhere stories live. Discover now