Os olhos palpitantes de Dona Célia começavam a se abrir. Uma imagem turva formava a sua frente. O teto do quarto de sua neta podia ser visto não muito nítido. Uma forte dor na cabeça fazia-a pulsar fortemente. A luz do dia que entrava no quarto incomodava o olhar da senhora caída ao chão. Dona Célia fez movimentos lentos com a mão chegando a tocar a face e acaricia-la. A respiração calma. Ar entrando e saindo levemente em seus pulmões.
- Mãe! - um grito de alívio se ouviu ali perto.
Logo em seguida as mãos de Sarah tocaram o rosto da mãe. Face a face. Os lábios da filha beijaram suavemente a testa da mãe.
- Eu estava tão preocupada. - a respiração de Sarah se aliviava conforme falava.
- Calma, querida... - conseguiu falar com um pouco de forças, as quais começavam a surgir. - Kat...- fez uma pausa tossindo. - Está bem?
Sentiu os dedos da filha apertarem cautelosamente o rosto. Com a visão aos poucos se tornando mais clara, percebeu Sarah mordendo o lábio inferior e ao focar a atenção nos olhos percebeu a vermelhidão e leve inchaço do choro.
- Mãe...
- Fala que aquilo não aconteceu, Sarah... - Dona Célia começava a retomar as lágrimas no olhar.
- Eu também não queria, mãe... - a voz da filha se tornou um pouco melancólica. Tocaram novamente as faces.
Com o canto do olho, a senhora ainda deitada no chão viu um vulto parado à porta. Não conseguia distinguir a imagem.
- Quem está contigo? - perguntou forçando suavemente o pescoço para ver a pessoa ali presente.
Sarah se soltou e virou para trás.
- Ah... É a Claire, mãe. Minha colega de trabalho. - suspirou. - Já te falei dela algumas vezes, não?
- Sim, sim. - Dona Célia cerrou os olhos e os abriu. Estava voltando à sã consciência. - Sarah, me ajude... - forçava o tronco e a cabeça para a frente tentando levantar.
As mãos da filha rapidamente correram para as costas da mãe e a empurravam levemente para que essa se levantasse.
- Obrigada... - agradeceu se recompondo do esforço feito. Girou um pouco o rosto e viu a imagem de Claire na porta. Uma ruiva esbelta com um piercing discreto no nariz. O cabelo repicado na altura do ombro e a franja jogada sobre um dos olhos fazia-a parecer uma adolescente juntamente com suas roupas juvenis. - Oi, Claire.
- Prazer, Dona Célia. - acenou ligeiramente.
- O prazer é meu! - sorriu para a outra. - Sarah! - esticou as mãos pedindo ajuda para se levantar.
Após de pé respirou fundo e piscou rapidamente os olhos.
- O que aconteceu ontem à noite? - perguntou ainda incrédula. Recusava-se a acreditar que sua neta havia sido levada pela polícia.
Sarah abaixou a cabeça um pouco hesitante. Claire caminhou até o lado da amiga e colocou a mão sobre o ombro. Percebendo a situação, decidiu responder por Sarah. Não estava em condições de relembrar e dizer novamente tudo o que ocorrera.
- A polícia levou Kat! Vocês duas desmaiaram e Sarah voltou à consciência antes que a senhora... - falou com um leve tom de desconforto.
- Liguei para Claire, pois não sabia como agir. Eu ainda não sei. Estou confusa... - Sarah completou.
As três tomaram o silêncio por si. Era mais fúnebre que um cemitério completamente vazio. Ao menos em um cemitério as almas conversavam por si. Naquela casa nem mesmo as almas queriam se comunicar. A respiração quase inaudível ressoando aos poucos.
- Vamos para o andar de baixo. Preciso tomar água... - Dona Célia falou focada na mesa do chá.
Era horrível imaginar aquele quarto sem sua neta. Kat enchia a casa com seu pequeno tamanho. Nas cadeiras assentado apenas o vento, nem mesmo os bonecos estavam ali. A cama desarrumada. Desarrumada da noite anterior. Talvez a pior noite da vida delas. A mente de Dona Célia queria ouvir uma risada de Kat, ou ao menos tocar a sua mão, sabendo que estava tudo bem.
- Vamos! - Sarah concordou e puseram-se a descer as escadas.
As três sentaram à mesa, com seus copos cheios de água. Claire sentia-se meio desconfortável perante a situação. Queria ajudar, mas não estava completamente confiante do que poderia fazer. Sarah já não conseguia pensar.
- Vamos ligar para a polícia! Temos que fazer algo. - Dona Célia tentava ainda desconsolada achar uma saída. Tinha que trazer sua neta de volta.
- Mãe! Ligar pra mesma polícia que a levou? - Sarah perguntou com a indignação batendo forte na sua dor. - O que vamos fazer? - colocou o copo sobre a mesa. Olhava para a janela sem se dar conta do céu azul a sua frente.
- Podíamos contratar alguém para procurá-la. - Claire perguntou olhando para Sarah. As outras duas mulheres viraram sua face para ela.
- Um detetive particular, Claire? - a mãe de Kat perguntou com uma ponta de esperanças. Limpou uma lágrima que percorria o caminho demarcado pelas outras.
- Uma ótima odeia! - Dona Célia exclamou e bebeu mais um pouco de água. A possibilidade começou a remoer seus pensamentos.
Ficaram em silêncio por um momento absorvendo a possibilidade.
- Onde vamos encontrar o número de um? - Sarah aderira a ideia com total confiança. - Pode funcionar, mas tem que ser alguém completamente desligado à polícia. - suas unhas grandes, com o esmalte desbotado, batiam levemente na mesa de madeira.
- Eu conheço um detetive. É amigo de uma colega de faculdade. - Claire estalou os dedos repetitivamente ao lado da orelha tentando trazer o nome à tona. - Como ele se chamava?
- Nós também conhecemos um... - Sarah suspirou e em seguida apoiou o queixo sobre sua mão. Olhou para Dona Célia que sabia exatamente de quem estavam falando.
- Não é uma boa ideia. Isso nem chega a ser uma possibilidade. Você se lembra muito bem como ele a tratou. Esqueça. - a voz da senhora era firme. Queria distância daquele homem.
- Quem? - Claire perguntou sem saber se deveria realmente fazer aquilo.
- Esqueça, querida. Coisas da vida. Lembrou como se chama o detetive que conhece? - Dona Célia respondeu antes que Sarah pudesse dizer algo. Mandou um olhar para a filha e balançou a cabeça negativamente.
- Acho que era alguma como Mark, ou Martin. - gesticulou com as mãos ainda tentando se lembrar.
- Martin Tozier? - Sarah perguntou recostando-se na cadeira.
- Acho que é esse mesmo. - Claire sorriu. - Martin Graham Tozier. Sim! Esse mesmo. - sua face distorceu um pouco. - É desse que vocês estavam falando? - apontou para ambas um pouco confusa.
- Dona Célia, não saímos do lugar. É ele ou ele. - Sarah bufou e levou a mão a testa.
- Não, Sarah! - Dona Célia gritou de um modo que não lembrava ter feito com sua filha. Abaixou um pouco o tom percebendo o que fizera. - Tem que ter outra possibilidade. Vamos procurar o contato de outro detetive.
Sarah não respondeu, nem mesmo virou a face para olhar o rosto da mãe.
- Precisamos de um detetive pra ontem, mãe. Não temos tempo para procurar outro. - falou sem emoção tentando aceitar que teria que ser ele.
- Achamos outro fácil! - Dona Célia jogou como resposta.
- Não temos certeza.
Ficaram caladas e Claire não compreendia o que estava acontecendo.
- Desculpe me intrometer. - olhou para as duas. - Mas de onde conhecem o Martin?
Filha e mãe se entreolharam. Dona Célia piscou fortemente. Sarah voltou para a amiga.
- Claire... - fez uma pausa suspirando. - Esse homem, Martin Graham Tozier, é pai da Kat!
YOU ARE READING
Vamos Brincar, Kat?
Horror- Filha... Com quem você está falando? - Com o Teddy, mamãe. Um tilintar de xícaras ecoa no quarto. - E sobre o que vocês estão falando? - Sobre a garota no final do corredor. Acho que ela quer brincar de comidinha co...