Capítulo 33

6.3K 569 175
                                    

A televisão na sala emitia ruídos constantes, porém as duas mulheres sentadas no sofá não se importavam. Dona Célia dormia em solavancos. Sua respiração parecia falhar e logo voltava ao estado de inconsciência. Demorara para conseguir adormecer. A dor em seu peito, imaginando o que poderia estar acontecendo com sua neta, era insuportável.

Sarah, segurando fortemente as mãos da mãe, mantinha o olhar focado nas falhas exibidas pela televisão. Estava trêmula e seus pulmões, naquele instante, funcionavam apenas voluntariamente. Lágrimas não existiam mais. Nas maçãs do rosto, via-se delimitado o caminho tão percorrido por essas que estavam secas, incapazes de jorrarem novamente. Sarah e Dona Célia compartilhavam a mesma batida cardíaca: quase inerte, contudo brusco ao bombear o sangue.

Os pensamentos que rodeavam os cômodos daquela casa eram únicos. O nome de Kat, o medo do passado que aflorava inopinadamente, e o futuro mais incerto devido ao presente horrendo.

Sarah estava inconformada em ter tido que recorrer a ele. Precisar do pai de Kat era a última coisa que ela queria, no entanto era a opção mais rápida que tiveram. Não sabia exatamente como iria agir quando o visse novamente face a face. Sua vontade era de não abrir a porta quando ele a essa batesse, mas sabia que era ele ou nada para correr atrás de sua filha. No fundo, Sarah tentaria sozinha correr atrás de Kat, faria de tudo para conseguir achá-la, porém era o tempo a maior preocupação. Precisava de eficiência, de ter sua filha o quanto antes em seus braços.

Adentrando por seus ouvidos e irrompendo os pensamentos de Sarah, a campainha da casa tocou aguda e fria. Saiu de seu estado de semiconsciência e ficou de pé em um movimento súbito com o olhar voltado firmemente para a porta. Ela sabia quem estava do outro, sabia e não queria saber. Sarah não queria dirigir a palavra novamente a ele. Não queria ter que olhar bem no fundo de seus olhos. Não queria relembrar as feições de sua face. Em meio aos pensamentos indecisos, a dor da incerteza de onde estava filha começou a movimentar seus pés e quando Sarah percebeu suas mãos tocavam a maçaneta.

A campainha ressoou novamente insistindo para ser atendida. Com um último suspiro, então, sua mão girou abrindo cautelosamente a porta. A imagem do homem parado a sua frente, que aos poucos se formava com mais detalhes, trouxe uma onda horrenda de nostalgia. Sua face era a mesma de alguns anos atrás, mas tinha um aspecto diferente. Ele vestia um terno preto, elegante, que mantinha sua postura erguida. Usava uma gravata vermelho escuro com traços transversais finos e pretos, a qual realçava a coloração de seu cabelo, barba e bigode. Os pelos faciais ruivos, meio cerrados, escondiam por baixo as sardas que cobriam seu rosto. O cabelo curto estava levemente sobressaltado na frente criando um pequeno topete. Seus olhos negros transmitiam uma sensação esquisita ao focalizar Sarah.

- Martin Graham Tozier... – falou, mantendo a face ausenta de expressão.

A face do homem torceu um sorriso imperceptível com o olhar. Sentia-se confuso em sentimentos ao ouvir aquela mulher falar novamente seu nome completo.

- Sarah Forgent... – ao pronunciar o nome completo dela, novamente a onda de lembranças afundou sobre seus olhos.

"- Martin! Chega de discussão. Eu não aguento mais isso todos os dias! – o reflexo de Sarah mais nova evidenciava rugas ao redor dos olhos e da boca.

- Só a senhorinha não aguenta. – ele gritava com a boca escancarada voltada para ela. As mãos socavam o ar ferozmente na mesma intensidade que as palavras eram cuspidas de sua boca. – 'Eu estou grávida, Martin, preciso de sua ajuda.' – forçava a voz na tentativa de imitar em um tom ridículo a voz de Sarah. – 'Você não pode me bater, a bebê também sente o que eu sinto.' Eu não quero mais ouvir essa reclamação todos os dias. 'Você é pai dessa criança, precisa ficar comigo e com ela. Como ela vai crescer sem ter uma imagem masculina ao lado dela?'

Vamos Brincar, Kat?Onde histórias criam vida. Descubra agora