II - Uma noite não como outra qualquer - Groleo

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Groleo estava quase chegando onde armazenavam as carnes quando seus pensamentos começaram a atacar sua mente.

Devia contar para eles...

Mas e se for muito cedo? E se os perder como aconteceu com os outros?

Não se apegue, não se apegue...

O que eles são? São seus aprendizes, você está treinando-os, como lhe foi confiado. E o que acha que vai acontecer depois? Que vão todos continuar vivendo naquela cabana para sempre?

Sabe que isso não é possível... Independentemente se eles quiserem ou não, uma hora ou outra vão te fazer voltar... E como eles ficarão se não souberem de nada?

Não é como se não soubessem de nada... Você contou tudo pelas histórias, os treinou todos os dias, ensinou tudo o que podem precisar saber...

Mas nunca disse o mais importante...

O homem de cabelos cinzas chegou na árvore marcada. Contou os passos na direção certa. Abriu a passagem feita no meio da árvore para dentro da terra onde uma câmara feita com grandes pedras mantinha a temperatura amena.

Não foi só com pedras que isso foi feito...

Colocou a mão sobre a superfície eternamente fria e sentiu todo o tempo que fez aquele mesmo percurso, cuidando das crianças e...

Não são mais crianças...

Conte!

Tomou a decisão, iria lhes contar independente da possível reação deles. Havia os criado e treinado como se os estivesse preparando para uma guerra... O que de fato estava...

Decretou a decisão em sua mente. Deixou a carne e voltou apressado para a cabana enquanto a luz do sol já se perdia. Quando chegou à clareira onde uma vez construíra aquele lugar, os dois jovens riam despreocupados, ele sentado no banco do lado externo e ela do interno encostada na parede de pedra e virada para a direção de onde Groleo viera. Tal posição permitiu que Anima o visse chegar e gritasse para se fazer ouvir:

Frian sinlhag hendi? Canem depa garento tapema! — O que sua mente de instantâneo entendeu: "Já podemos comer? Eu estou com fome!".

Não vou contar... Ainda não... São tão ingênuos... É justo que continuem assim... Só mais um pouco...

Naquele instante toda a força que havia reunido para a conversa que sempre adiava se foi... Mais uma vez.

Dessa forma, aquela noite foi como todas as outras: ele fez um cozido com carne e alguns legumes que plantavam ao lado da cabana e, antes de irem dormir, fez um chá com plantas da mesma fonte.

Assim, com os três sentados na mesa de madeira tomando a bebida da qual Groleo se reconhecia extremamente dependente, conversavam como se nenhum problema existisse ou sequer chegaria para sempre.

— Eu sempre me perguntei de onde você tira suas histórias... — Disse Sirius deitado com as mãos atrás da cabeça como apoio e as pernas dobradas para conseguir caber no banco.

— Correção: você sempre pergunta a origem das histórias. — Falou Anima com tom sarcástico sentada ao lado de Groleo com as costas apoiada na parede assim como há horas atrás... Como todos os dias...

— E eu já disse que um dia você vai descobrir por sua conta. — Respondeu Groleo na mesma posição que a menina parando de falar para tomar mais um gole de chá.

— Você deveria ter sido um bardo. — A garota comentou se debruçando na mesa. — Ou eles também só existem nas suas histórias?

Ele a fitou com olhar de reprovação pelo deboche.

— Eu nunca entendi. — O garoto se levantou rapidamente para o encarar e perguntou em tom sério: — O que você nos conta... É realmente verdade ou...?

— É claro que é real. — Groleo rapidamente o cortou. Se eles já soubessem da verdade... Não consigo.

— Uma vez Sirius perguntou para um homem no vilarejo se ele conhecia algum guardião... Ele saiu correndo. — Anima já praticamente dormia.

Um arrepio percorreu o corpo de Groleo e ele se esforçou para não demonstrar.

— Por que você fez isso? — Perguntou secamente.

— Eu não sei. — Respondeu ele como se não fosse nada demais e dando de ombros.

O mais velho suspirou e disse para irem dormir, mas que iria continuar ali por mais um tempo. Depois que os dois entraram passou-se várias horas e Groleo permanecera ali sentado, ora lendo ora dizendo a si mesmo que deveria parar de procrastinar a situação e contar-lhes tudo, já que a qualquer momento poderiam vir buscá-lo e então...

Aquele ser enorme pousou no gramado da clareira. O homem rabiscou rapidamente uma nota no livro com um pedaço de pedra usando seu poder depois de tanto tempo e correu para aquele que determinava o fim das suas dezenove contagens de tranquilidade...

Assim que subiu nele, sentiu a culpa esmagar sua consciência. Deveria ter-lhes dito, como pôde fugir por tanto tempo... Deveria ter dito pelo menos no bilhete! E deixar que soubessem tudo por um rabisco?! Não é possível... Como pôde? Como pôde?!

O outro levantou voo e Groleo sentiu seu coração mais uma vez ser despedaçado por mais um erro que ele cometeu...

Não era para ter sido assim... Não era...

Os GuardiõesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora