III - Qual o próximo passo? - Semepolhian

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Semepolhian se mantinha sentada sobre o rio que permanecia sem movimento. Quando se levantou, girou em seu próprio eixo com uma perna levantada e a água acompanhou sua ação regando de uma só vez toda a plantação que tinham do lado de dentro da muralha.

Respirando fundo, liberou o fluxo do rio e caminhou sobre as águas até a margem. A alguns metros, Guiodor a esperava tranquilamente e assim que ela se aproximou disse com mais calma do que a situação provavelmente merecia:

— Emmethorion está convocando os conselheiros.

Semepolhian passou o braço sobre a testa azul escura para enxugar o suor e respondeu:

— Obrigada. Você sabe do que se trata?

— Não. — O pequeno zubuiu não parecia estar sendo sincero. — Mas ele acabou de voltar do grupo de caça, então...

A moça de vinte e três contagens concordou com a cabeça. Guiodor repetiu o movimento dela encerrando a conversa e saiu correndo em alta velocidade como de costume para a sua raça. Já Semepolhian foi andando até a construção principal, que se tratava de um semicírculo fundo com lugares para sentar em seu entorno, onde encontrou os outros membros do que chamavam de conselho sentados em seus respectivos lugares conversando, alguns extremamente preocupados, outros descontraídos.

Ela própria se sentou em sua cadeira sem falar com nenhum dos outros e esperou poucos segundos antes que o guardião da floresta Emmethorion entrasse pela porta no alto, em sua perspectiva, carregando o que sua vista demorou para compreender que se tratava de um coelho morto.

Assim como todos os outros, Semepolhian não entendeu o porquê daquilo. No entanto, quando ele sacou a adaga afiada e cortou o animal deixando aparente uma carne totalmente verde, cada um dos presentes prendeu a respiração por alguns segundos.

— Estão envenenando os animais da floresta. — Disse por fim Emmethorion que permanecia com o bicho levantado.

— Tem certeza de que não é pelo rio? — Perguntou Velhimum, representante dos egüeses no local, olhando para a guardiã das águas.

— Absoluta. — Respondeu Semepolhian. — Todo o rio permanece limpo, dentro e fora da floresta.

— Nós precisamos dar um jeito de pará-los. — Emmethorion deixava o desespero transparecer na sua voz e não parecia tentar esconder.

— Mas não fazemos nem ideia de como estão fazendo isso. — Sküeval, representante dos nimases, falou exaltado.

— E é exatamente por isso que temos que pará-los. — Emmethorion ainda falava com fervor, no entanto agora havia se abaixado para colocar o animal que trouxera sobre a terra.

— Não é você o guardião da floresta? — A maga Zilena perguntou com tom de deboche quase deitando na cadeira de tão longe do encosto que estava sentada, enquanto o homem na sua frente fazia com que a terra engolisse o animal sem vida dizendo algo em som inaudível, mas que era evidente ser uma breve sentença de respeito. — Por que não sente eles entrarem?

— Não é como se isso fosse possível. — Respondeu batendo as mãos para tirar o resquício de terra que havia. — Já viu o tamanho da Floresta de Vingüeval?

— Minha sugestão é que use seus poderes para fechar as fronteiras das árvores... Permanentemente. — Argristong, responsável por armar todos ali, era o único humano em toda a fortaleza. — Então nós podemos começar a busca. Se estiverem mesmo aqui, nós os pegamos...

— Não podemos. — Zilena o interrompeu. — Eles criaram esse veneno que só atinge não humanos. Se pudessem nos matar já o teriam feito. Ainda não sabem que estamos aqui e é melhor que continue assim.

— Então o que sugere? — O tom na voz de Emmethorion deixava transparecer que ele esperava que a maga desse a solução de todos os problemas.

— Vamos fazer como os humanos e criar os animais presos aqui dentro ou...

— Isso não! — O guardião da floresta negou antes que ela terminasse.

— ... Ou — continuou Zilena — cortamos a carne até que desistam dessa tática e investimos na nossa agricultura.

— Eles não ficarão felizes. — Dessa vez Emmethorion respondeu com a voz serena e olhando fixamente para a maga que havia feito a sugestão.

— E nem nós. — Respondeu ela rapidamente. — Mas você mesmo disse: eles estão na floresta e temos que pará-los.

Emmethorion desviou o olhar e comprimiu o lábio demorando para concluir:

— Certo... Vamos aumentar a parte de soja e ver o que conseguimos. — O guardião rotacionou o pescoço fazendo-o estalar. — Vamos mandar equipes disfarçadas para ver se encontram algo ou alguém... Se pensarem em alguma outra coisa digam, por favor.

Todos concordaram e começaram a deixar o local aos poucos até que restou somente Emmethorion, no local onde estivera até então, e Semepolhian, que não havia dito nada nem se manifestado a sair dali. No entanto, quando finalmente ficaram sós, ela se levantou e foi até o outro guardião para dizer baixo sem que nenhum dos dois se olhasse no rosto:

— Por quanto tempo acha que vamos conseguir continuar assim?

— Pouco... Sabe o que precisamos. — Ele a olhava por cima do ombro apesar da distância curta.

— Sabe que não vamos aguentar o que precisamos.

— Se tivéssemos mais de nós...

— Se tivéssemos mais de nós não estaríamos passando por isso! Os nimases, egüeses e magos se escondem tão bem que agora são considerados lendas. Os imimoyas e zubuius então nem são lembrados. E você sequer chegou a conhecer um feiticeiro? — Ela finalmente o encarou. — Nós é que somos a ameaça e nós temos que dar um jeito de provar que não somos ou de nos esconder como os outros... Acho que uma guerra não se encaixa nessas opções.

A guardiã das águas saiu andando e já subia os primeiros degraus para deixar o local.

— Semepolhian! — A voz de Emmethorion reverberou pela construção.

A mulher se virou lentamente e fitou os olhos que olhavam para os dela.

— Se fossemos mais... — Ele começou. — Você estaria disposta a lutar?

Ela fez o inverso do caminho que tinha acabado de realizar para que ficassem novamente próximos. Primeiro, porque não queria que outros ouvissem e espalhassem histeria desnecessária naquele único lugar supostamente seguro. E segundo porque não sabia também se tinha força para proferir aquela conversa em voz alta.

— Eu deixei meu povo porque não consegui ter o sentimento de pertencimento com ele e vim para cá... — Declarou. — Se nós não conseguirmos ter esse sentimento com o mundo, para onde vamos? — Ela engoliu em seco. — Eu daria a minha vida para impedir que qualquer criança nascida guardiã fosse exilada ou morta novamente... Mas no momento, eu posso dar quantas vidas eu tiver... Isso só vai fazer com que eles comemorem ainda mais.

Emmethorion desviou o olhar para frente antes de voltar a encarar os olhos azuis da mulher, os quais se mantinham fixos a poucos centímetros dos seus.

— Você quer uma guerra? — Finalizou ela. — Garanta que vai haver uma e não o nosso genocídio.

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