Cela

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Quando acordou, seus olhos custaram a se acostumar com a baixa iluminação. Aos poucos, viu que estava presa entre quatro paredes totalmente fechadas, exceto por dois lugares: uma porta de metal, que possuía furos muito pequenos a ponto de não passar um dedo, de onde provinha a luz, e um buraco na parede oposta, onde pode ver um balde pendurado em um corrente.

Tentou mexer o corpo e encontrou imensa dificuldade para fazê-lo. Muito lentamente conseguiu mover os membros que estalavam alto após o longo tempo que ficaram estáticos. Se levantou e logo iniciou a busca para sua fuga.

Não estava amarrada, mas não tinha magia. Teria que depender unicamente de sua parte física, a qual estava bem longe de ser suficiente naquele momento.

Caminhou com dificuldade até o buraco com o balde. Nele, encontrou uma passagem vertical comprida, sem conseguir ver seu início ou seu fim, pela qual continuava a corrente grossa. Sentiu um cheiro estranho vindo do balde, fazendo-a concluir que servia para depositar suas necessidades.

Levou dias para que conseguisse fazê-las direto no balde. Durante esse tempo, recebia alimento duas vezes por dia e nunca a tiraram dali. Após uma semana — ou pelos menos era o que achava, calculando pela variação de luz vinda dos furos, mas não tinha como ter certeza — estabeleceu seu plano.

Em outra situação, poderia tentar qualquer coisa e as consequências iriam cair apenas sobre ela. Porém, dessa vez tinha uma missão. Uma tarefa a cumprir. E, se falhasse, poderia condenar a todos.

Não estava forte, no entanto já tinha muito mais condições do que quando chegara. Rasgou um pedaço da calça e usou para proteger as mãos. Sentou-se na pequena abertura da parede e quase não passou pelo espaço para ficar pendurada na corrente abaixo do balde.

Uma vez por dia, a corrente subia, carregando os baldes de todos os presos ali. Ficara muito tempo analisando que, pela grossura da corrente, pela quantidade de baldes e pelo movimento uniforme da subida, não deveria ser alguém puxando e sim algum equipamento, o qual suportaria seu peso para ajudá-la a subir.

Então começou a descer, iniciando sua busca. Se desse errado, se não encontrasse quem procurava, se não conseguisse sair dali com aquela pessoa, se fosse pega, não importava. Se não tentasse, de nada teria valido chegar até ali.

Dessa forma, passando de abertura em abertura, encontrando rostos assustados e confusos, desceu. A cada nova cela que via, pensava em parar, pois já não aguentava mais. As pequenas pausas apoiando seu peso nos baldes eram o único descanso que tinha. Alguns tentaram ajudá-la a passar pela abertura para retomar o fôlego, mas disse que continuaria. Tinha que continuar. Até encontrar ela, o objetivo de sua missão.

Essas pessoas lhe desejavam boa sorte e tentavam observar seu destino, mas logo desistiam pela baixa luz que chegava ali. Nenhum deles a seguiu, afinal, não tinha a menor garantia de que encontraria uma saída por ali e, diferente dela, julgavam que era melhor esperar pela melhor estratégia do que arriscar a mais rápida.

Assim, já não conseguindo suportar o próprio peso, exausta e cogitando desistir, atingiu seu objetivo.

Diferente de todos os outros, a pessoa do lado de dentro da cela a reconheceu e não veio ajudá-la. Após passar com dificuldade pelo buraco, cogitou ter se enganado, confundindo a pessoa pelo cansaço. Não esperava encontrar cabelos brancos e uma pele enrugada em quem deveria ser mais jovem do que ela. Contudo, o símbolo que trazia em seu braço era impossível de confundir.

— Por que está aqui? — Foi a única coisa que a pessoa disse.

Ela teve dificuldade de falar entre as tomadas de fôlego.

— Para te tirar daqui.

A outra riu.

— Demorou.

De todas as reações que ela esperava receber ao cumprir seu objetivo, aquela não estava entre elas.

— Como ficou assim? — Perguntou apontando para o corpo mais velho.

— O que acha? Não sei se percebeu, mas essas paredes impedem a existência de magia, impedem de ser quem somos. Elas fazem com que nós, que um dia fomos deuses, fiquemos enfiados em buracos.

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